Para o meu priminho Gabriel por ser esperto demais.

 

Era uma vez um menino de três anos de idade, magrinho, de pele negra, cabelos cacheados e umbigo para dentro. O nome dele era Gabriel. Um menino desses que não fica quieto, assim diziam as pessoas. Gabriel é teimoso, peralta, buliçoso, medonho, danado. Gabriel era tudo até eu conhecê-lo. Ficava imaginando aquele menino que mexia em tudo, que derrubava as coisas, que subia na mesa e jogava a comida no chão, que chutava o pau da barraca e pensava comigo: esse menino deve ser muito medonho mesmo! Todo mundo fala dele!

Sim, Gabriel gostava de fazer muitas coisas divertidas. Pulava em cima da cama da sua vovó Mocinha, tomava banho de mangueira, corria atrás das galinhas, queria puxar a lua do céu e chorava para tomar banho de chuva mesmo estando gripado e com febre. Não tinha quem pudesse com aquele menino. Ave Maria! Era um Deus nos acuda! Gabriel é muito teimoso! Minha filha, ninguém pode com ele! Não obedece a ninguém! Só falta colocar a casa pelo avesso! Diziam todos de Gabriel enquanto ele estava deitado tomando o seu suco de laranja e puxando o pé.

Soube que Gabriel vinha passar o domingo conosco. Era a primeira visita dele à casa de tia Iracema. Tratei de esconder todos os meus brinquedos, quadros infantis, gibis, sapatos e fechei a porta do quarto à chave com duas voltas para não ter perigo dele abrir. Fiquei preocupada em receber na minha casa aquele menino medonho que não parava quieto um só instante. A minha prima, mãe dele, já tinha brigado com Deus e o mundo por causa dele. A minha mãe, Iracema, parecia tranquila e ria de mim preocupada com a chegada de Gabriel. Eu dizia só para perturbar a minha mãe

- Ele vai arrancar todas as suas plantas, mamãe!

- Vai não! Menino aqui não faz o que quer!

- Ele vai soltar o seu passarinho, mamãe!

- Vai não! Ele é só um meninho. Não vai fazer nada disso, Rosângela.

Mamãe parecia calma. Essa calma que as pessoas idosas têm devido a experiência que adquirem com o passar dos anos. Foi mamãe quem me disse que Gabriel dava trabalho, que Gabriel era teimoso, que Gabriel era buliçoso, que Gabriel era isso e aquilo. E agora ela não estava nem aí para tudo o que sabia daquele menino que estava prestes a chegar à nossa casa.

Assim que chegou aqui em casa Gabriel parecia tímido e assustado. Não saiu dos braços da mãe. Até tentou mexer aqui e acolá, mas o olhar sábio de mamãe o impediu. O menino em tudo o que ia mexer antes olhava para mamãe e ela não precisava dizer nada, pois ele compreendia bem o seu olhar de velhinha esperta. Gabriel não era tudo aquilo que disseram dele. Era um menino tão quietinho! Será que ele estava conhecendo o ambiente e logo se soltaria? Fiquei pensando comigo. O menino não se mexia. Olhava para os móveis de mamãe com cuidado

- O que aconteceu com Gabriel, gente?, perguntei curiosa.

- Ah, ele soube que vinha para a casa de tia Iracema.

- E o que vocês disseram a ele de mamãe?

- E precisa dizer alguma coisa? A fama dela de brava vai longe!

- Tadinho do menino! Está traumatizado! Não quer nem brincar com o seu carrinho!

- Perto de tia Iracema ele não vai brincar de nada! Já conhece a fera!

A minha prima que era a mãe de Gabriel dizia aquilo sorridente. Chegou a hora do almoço e eu pensei que seria naquele momento que Gabriel se revoltaria e mostraria pra que veio ao mundo. Pensei que ele ia jogar toda a comida no chão, subir em cima da mesa, derrubar o feijão nas pernas de mamãe ou até mesmo jogar pra cima a tigela de macarrão. Gente, eu me enganei. A gente se engana com algumas pessoas vez ou outra. A gente se engana porque as pessoas podem mudar de uma hora para outra. Ou podem se comportar diferentes em alguns lugares. As pessoas sabem fingir. Fingir é como uma forma de se proteger dos perigos alheios e internos. Na verdade, Gabriel nem quis almoçar. Também já tinha enchido o bucho com suco de laranja e pão assado que ele adora comer.

Gabriel parecia tão lindinho ali queitinho olhando a nossa árvore de Natal. Depois foi ver o passarinho e voltou para a sala onde assisitiu televisão por um tempão sentado na poltrona com as pernas estiradas e a cabecinha meio de lado, quase dormindo. Eu me perguntava a todo instante: ora, ora, onde estará o menino buliçoso? De repente, eu vim para o meu quarto e me deitei um pouco depois do almoço. Quando acordei soube que Gabriel me procurou pela casa inteira querendo brincar comigo de polícia e ladrão. Enchi os meus olhos de lágrimas ao ouvir aquele menino com rostinho de anjo me chamar pelo meu apelido "Danda, onde você estava?"

A tarde caiu cedo na minha rua e Gabriel foi embora com a sua mãe. Eu olhei para mamãe comentei

- Gabriel é este menino mesmo?

- Sim, Rosângela! Por quê?

- Menino quieto! Não deu um pio! Não mexeu em nada! O povo inventa tanta coisa dos outros!

- Pra você ver que menino aqui em casa não faz o que quer. Tem que respeitar. Além do mais, ele é um menino bom. Viu que ele comeu e ficou quietinho na mesa?

- E não foi isso? A toda hora eu pensava que ele ia chutar a panela de feijão!

Gabriel me surpreendeu. Ah, se todos os meninos fossem iguais a ele! Seriam anjos na terra! Um cheiro para todos os demais Gabrieis do meu Brasil!

 

Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 14/01/2023
Código do texto: T7694622
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