O Desejo de Um Garoto

Mais um dia normal na escola. Era uma escola estadual, pessoas normais, uns com mais dinheiro, outros com menos, mas todos coexistiam de maneira pacífica, amigável até.

Eu, aos doze anos de idade, tinha uma vida normal na quinta série, monótona, sem muitas novidades. Meu maior tormento era acordar cedo para ir à escola. Até hoje tenho dificuldades para acordar cedo.

Na sala de aula, segurando-me para não dormir, aguardava ansiosamente a hora do intervalo. A escola tinha uma cantina modesta, onde aqueles que possuíam um pouco mais de dinheiro compravam um misto-quente e uma Coca-Cola. Não era meu caso, então sempre me dirigia ao refeitório, onde forneciam a merenda do dia que variava de ovo cozido a um macarrão com salsicha (salsicha de péssima aparência e sabor, chamávamos este prato de Macarrão com Dedo de Mendigo).

A hora do intervalo era o momento que eu poderia fitar de longe a Paula Fortunato. Tínhamos a mesma idade, mas ela estava na sexta série. Eu fiz duas vezes a terceira série, pois sempre dormia nas aulas, inclusive em dias de prova ou então chegava atrasado por ter dormido demais em casa e não me deixavam entrar na escola. Voltemos ao que interessa: Paula Fortunato! Uma garota linda, cheia de vida, tinha uma esperteza, uma maturidade incomum para sua idade, pele de pêssego, cabelos ondulados castanhos, um perfume único, um sorriso simplesmente encantador.

Obviamente, recolhia-me à minha insignificância e a observava de longe. Sequer lhe dirigia a palavra, não saberia o que dizer e ela provavelmente não iria se dar ao trabalho de me notar. E o ciclo se repetia dia após dia.

Um dia, como um milagre, meu pai me deu um pouco de dinheiro para comprar alguma coisa na Cantina da escola. Fiquei tão surpreso que me demorei a aceitar e pegar o dinheiro de sua mão.

No caminho à escola ia pensando no que iria gastar. Ao passar pelo portão, vi logo à frente a pessoa que eu mais gostaria de ver... Paula Fortunato... É engraçado, né? Mas gosto de pronunciar seu nome e sobrenome, isso a torna ainda mais especial, acho. Foi então que soube o que comprar no intervalo, afinal, eu sabia exatamente o que ela gostava de comer quando comprava algo na cantina. Estava decidido: vou comprar o que ela mais gosta!!

Para isso dar certo, eu teria que observar se ela já não havia comprado, então aguardei sorrateiramente, vi que ela se dirigiu ao refeitório, ou seja, não ia comprar nada na Cantina. Era minha hora de agir.

Disse à dona da Cantina: - Rosa, por favor, quero um salgadinho de bacon. Um pacote bem recheado!! - Rosa era uma senhora muito simpática, tinha um olhar de avó, cheio de carinho, sabe? Sorrindo, ela me entregou o pacote, me deu o troco e foi atender aos demais.

Aí começou a saga! Como sabem, na escola estadual nem todos têm dinheiro para comprar na Cantina, normalmente eu também não o teria, mas hoje os deuses estavam sorrindo para mim. Assim que saí da Cantina com meu pacote na mão, uma multidão de colegas de sala me cercou... Pediam, imploravam e às vezes até com um tom ameaçador!

Não podia deixar que isto acontecesse, então saí dali correndo, procurando àquela que certamente mereceria o primeiro salgado a sair do pacote. Ainda podia ouvi-los me xingando e ameaçando, mas não cedi.

Ela estava sentada na arquibancada com as amigas, assistindo aos garotos que jogavam futebol. Venci minha timidez, passei por suas amigas e lhe disse diretamente: - Quer um salgado? – Ela sorriu, aceitou surpresa ao ver que o pacote ainda estava fechado e me agradeceu com um sorriso que fez meu coração saltar. Eu sentia meu corpo arder, certamente com o rosto ruborizado. Virei de costas e saí correndo, feliz da vida.

Como eu queria que todos os dias fossem bons assim! Sobrou dinheiro suficiente para mais dois dias de salgado, farei isso novamente!

Acordei cedo sem reclamar, cheguei no horário, mas mal prestei atenção à aula, o importante era o intervalo. Aliás, como duravam pouco os intervalos! Vinte minutos não dão para nada! Quando saí, fui direto para a Cantina, comprei novamente o salgadinho de bacon, mas quando a encontrei, ela já estava comendo um. Ao perceber que me aproximava, fez um gesto me mostrando seu salgadinho e sorriu, mostrei o meu e saí. Acho que meus amigos ficaram felizes com isso, pois comeram tudo. Gastei um dia de salgadinho à toa...

Fui para casa imaginando, como eu gostaria que ela falasse comigo, que déssemos risada juntos, dividíssemos o mesmo salgado, como eu queria sentir seu toque, seu cheiro, seu beijo.

Mais um dia de aula, ainda estou me sentindo um idiota pelo dia anterior, mas enquanto ia para escola continuei minha fantasia de estarmos juntos e isso me animou novamente.

Não tivemos a aula que normalmente antecede o intervalo e fomos orientados a ir para o pátio. Ao chegar, pude ver Paula Fortunato e suas amigas sentadas próximas ao palco. Estavam na aula de educação física, mas como não queriam jogar, ficaram lá conversando. Devem ter percebido que as estava olhando, pois começaram a cochichar e rir. Rindo de mim? Não sei... talvez... Bem provável.

Senti-me minúsculo, então desviei o caminho para a direção oposta. Ouvi passos correndo, fingi ler as notícias do mural. Alguém toca meu ombro. Virei desconfiado... Era a Jéssica, amiga da Paula Fortunato, congelei! Ela estava comendo um salgadinho de bacon (talvez todas elas gostassem, não apenas a Paula). Jéssica também era bonita, não como ela, mas tinha sua beleza, seu charme e, com ele, um ar de deboche, isso me incomodava um pouco.

Levando um salgadinho à boca ela diz: Ei, Daniel! Você quer beijar minha amiga?

Eu tremia! – Amiga, de que amiga você está falando? – achei que seria inteligente de minha parte fazer-me de desentendido, mas claramente não deu certo, pois ela com aquele gesto de deboche fez com a cabeça um sinal como dizendo: “Você sabe muito bem de quem estou falando!”

Não pensei duas vezes na resposta. Eu ri e lhe disse: - Não, sei que você está mentindo, então a resposta é não!! – saí de perto dela ainda rindo, aguardei até o horário do intervalo, comprei o salgadinho de bacon e comi tudo sozinho.

Dennis Liberato Estrada
Enviado por Dennis Liberato Estrada em 26/09/2022
Código do texto: T7614577
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.