Operação Luzes da Justiça - Parte 1

Ding-dong...ding-dong.

— Bernardo! — Samuel gritou de frente para a porta do 303. — Bê, abre aqui! É a gente!

Ding-dong...dingdongdingdongdingdong.

— Ei, Samú, não faz isso! — repreendeu Gabriel, o irmão gêmeo não idêntico de Samuel e alguns segundos mais novo que ele.

— Mas a gente precisa falar com o Bernardo agora, Biel. Agora, agora! — retrucou Samú, cada vez mais agitado, e, involuntariamente, agitando o irmão.

— Eu sei, mas isso vai aborrecer a tia Cássia.

— Tá bom, bobão. Vou tentar outra coisa.

Samú se abaixou bem rápido até o rosto ficar rente ao tapete de entrada do apartamento de Bernardo, onde estava escrito um floreado “Seja Bem-Vindo”. Encheu o pulmão com o máximo de ar que conseguiu e soltou de uma vez no seu mais potente sussurro:

— Bernardooooo! Bê! Bernardo, Bê!

A porta foi aberta de uma vez e os pés descalços de Bernardo surgiram diante do nariz de Samuel. Samú levantou a cabeça lentamente enquanto abria um sorriso matreiro de orelha a orelha.

— Oi, Bê.

Bernardo ficou encarando os amigos com um olhar zangado estampado no rosto amassado. Os cabelos lisos e desgrenhados eram a prova definitiva de que ele estava dormindo. Com a voz fraca e meio rouca, falou: — Suas duas bestas. Vocês acordaram a minha mãe.

— Desculpa, Bê — disse Samú, enquanto se punha de pé outra vez —, mas é que nós precisamos de você agora!

Bernardo deixou que os dois amigos entrassem no apartamento, e assim que se sentaram no sofá da sala dele, os dois garotos começaram a falar apressadamente e sem pausas, atropelando as palavras, a ordem dos fatos e os personagens envolvidos. Depois de Bernardo confessar que não estava entendendo o que eles estavam tentando contar, Samuel decidiu recomeçar do zero, pedindo para que Gabriel ficasse quieto dessa vez, o que foi prontamente obedecido pelo mais novo.

Samuel explicou que uma tragédia tinha acontecido: Igor havia descoberto o plano deles e iria revidar. Igor era o garoto de treze anos do Bloco D que, com a ajuda de seus fiéis escudeiros, Hugo e Jairo, sempre achava um meio de acabar com a diversão dos meninos. Na tentativa de dar o troco, Bernardo bolou minuciosamente um plano de revanche que foi aprovada pela Cúpula da Pracinha, e seus membros. Consistia, basicamente, em atrair Igor para o depósito de ferramentas e velharias do condomínio, onde não correriam risco de bagunçar áreas intocáveis do condomínio e irritar os adultos. E dificilmente seriam vistos por eles. Lá, Igor seria encurralado. No ápice da brincadeira, eles lançariam contra Igor balões d’água maciços e ameaçadores que pegaram do resto de balões azuis e verdes do aniversário do Lipe.

Os preparativos tinham terminado naquela manhã, e estava tudo pronto para execução do plano um pouquinho mais tarde que a hora em que conversavam, e agora isso! Igor, provando mais uma vez que conseguia superar a própria vilania, descobriu o que eles pretendiam fazer, encontrou o esconderijo dos garotos e espalhou para os quatro cantos do condomínio que tinha todos eles em suas mãos. E que os esmagaria sem dó.

Bernardo caminhou em direção à varanda do seu apartamento, pensativo. Debruçou-se sobre o parapeito, com os cotovelos sobre ele, e fixou o olhar no movimento lá embaixo. Samú e Biel permaneceram sentados no sofá, e se entreolharam assim que Bernardo deu as costas a eles. Bê era o cabeça das melhores operações deles, e apesar de ter apenas onze anos, tudo indicava que tinha um QI muito superior à média dos garotos da sua idade. Samú se sentia um pouco mais tranquilo agora que estava na casa de Bê, O Gênio. Biel olhava de soslaio para Bê, sua testa enrugada de preocupação.

— Então o mentecapto do Igor achou o esconderijo — disse Bernardo, retornando para o sofá. — Isso quer dizer que ele não vai mais funcionar para nós de agora em diante. Precisamos de outro, urgentemente. Ele também deve ter acabado com todos os balões d’água — concluiu, sentando-se no sofá.

— Sim, ele explodiu todos. — Samuel confirmou, fazendo um bico de frustração.

— O Igor vai maltratar ainda mais a gente. — Biel choramingou ao lado de Samú.

— Ô, garoto, vira essa boca pra lá! — reclamou Samuel, exasperado.

— Mas ele vai!

— Não vai! E não diga mais isso! Ninguém aqui é um fracote como você! — Samuel gritou sem paciência, mas a carranca desenhada no rosto foi se desfazendo quando viu os olhos marejados do irmão e como ele parecia que tinha diminuído de tamanho. — Desculpa. Mas não fale mais essas coisas — tentou consertar falando com a voz mansa. — Nós vamos dar um jeito nisso, não é, Bernardo?

— Vamos. Mas fiquem calados um minuto. Preciso pensar.

Bernardo ficou parado naquela pose que fazia quando a cabeça estava agitada, cheia de ideias que ele precisava colocar em ordem: mão direita debaixo do queixo, e o braço apoiado na perna. Era mais ou menos como na foto daquela estátua famosa que ele tinha visto na internet.

— Eu tenho uma ideia — revelou Bê de repente. Os olhos de Samuel e Gabriel se iluminaram instantaneamente, um sorriso conjunto surgiu. — É o seguinte...

Bernardo contou em detalhes o que havia pensado. Os garotos não tinham certeza se estavam entendendo, mas o sorriso não sumia de seus rostos e eles concordavam com tudo o que ele dizia. Quando Bernardo concluiu a explicação, Gabriel foi o primeiro a falar.

— Posso ir na minha bicicleta também?

— Não! — respondeu Samuel, de pronto.

— Acho...melhor não, Biel — disse Bê à meia voz, meio hesitante, mas parecendo certo de sua opinião.

— Você só vai atrapalhar. Vai comigo, na garupa da minha.

— Mas com três bicicletas...

— Não e não. Não vá estragar o plano do Bê.

Bernardo se levantou do sofá e disse: — Se resolvam aí, irmãos. Temos trabalho a fazer. — Samuel sorriu animado, mas Gabriel estava meio cabisbaixo. — Hoje nós vamos derrotar o Igor.

Bernardo correu para o seu quarto. Antes de ir, porém, alertou que daria início ao plano naquele instante. Ligaria para Davi, o único que tinha um celular, igual a ele, e explicaria passo a passo do esquema. A ordem era para que, em seguida, Davi fosse na casa de todos os meninos e orientasse cada um, sem equívocos. Samuel ouviu Bernardo e o seguiu em direção ao quarto sem olhar para trás. Gabriel olhou o irmão e o amigo entrarem no quarto de Bernardo, mas não moveu um músculo. Ficou ali parado, bastante ansioso e pensativo.

Gabriel tinha certeza de que tudo daria errado. Igor era maior do que eles, mais forte do que eles, e muito mais malvado. Se ele quisesse, poderia acabar com todos eles rapidinho. Lembrou-se de uma vez, pouco tempo atrás, quando foram jogar futebol na quadra do condomínio, e Igor pediu para jogar também. Gabriel assistiu ao maior massacre aos seus amigos até aquele momento, apesar de ele mesmo não ter sofrido nenhum arranhão. Igor dava empurrões fortes, carrinhos, e chutava a bola com força contra eles. Além disso, o mais velho também gritava alto no ouvido deles, brigando e xingando muito. Alguns não se importavam de verdade, e tentavam fazer a mesma coisa nele. Mas Samú tinha saído daquele jogo com um rasgão feio no joelho direito, e Gabriel ainda podia se lembrar dos gritos de dor que ele dava quando a mãe passava aquele spray antisséptico na ferida.

O plano do Bê parecia bom, e o irmão sorria confiante, mas as mãos de Biel ainda suavam muito mesmo assim.

Gabriel finalmente se levantou do sofá, andando em direção à varanda. Bernardo e Samuel ainda não tinham voltado, e a demora o havia cansado. Lá fora, o sol perdia pouco a pouco seu brilho majestoso, tornando-se um imenso véu límpido colorido em laranja e azul escuro.

Galvino Moreno
Enviado por Galvino Moreno em 21/07/2022
Código do texto: T7564694
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