A SABATINA
Ela mal se sentava frente à classe e erguendo sua temida palmatória, assim falava:
- “Silêncio! Durante esta sabatina aqui não terá lugar para o erro; a omissão de conhecimentos que já foram ensinados e, tampouco, para a violência e o desrespeito aos colegas, tanto cá, como lá fora. Quem descumprir a essa regra terá o castigo em dobro”.
Era sempre assim que a professora Tereza determinava a seus alunos antes da temida sabatina de todos os fins de semana. Nela teríamos que responder, com convicção e clareza, as perguntas que forem questionadas, mas, se, por ventura, o aluno não soubesse a resposta correta, caberia ao próximo colega, à sua direita, respondê-la, mas, se esse também fosse omisso, o castigo com dolorosas palmatoadas viria daquele que acertasse. Nesse caso, o aluno vencedor palmatoava, obrigatoriamente, os colegas que não aprenderam as lições.
Na saída da escola sempre tinha chacota e muito barulho que inevitavelmente acabava com briga.
As confusões eram constantes e cada vez mais violentas. Mas tudo ficava longe dos olhos e ouvidos da professora.
Alguns pais discutiam e até se estapeavam por causa dos filhos briguentos.
Eu nunca tinha dado e nem tomado uma única palmatoada e a professora dizia que eu era em aluno exemplar. Com isso eu me enchia de orgulho e de ufania.
A quantidade de palmatoadas ficava à mercê da professora que estipulava o mínimo de duas e o máximo de dez, dependendo, portanto, da sapiência e da conduta do indivíduo que fosse sabatinado.
Começa a sabatina.
Certa vez dez alunos são chamados a formar uma fila na frente da educadora e lá, dentre eles, estava eu.
O primeiro da fila, bem à minha esquerda, era o Zé Roló: conhecido por sua valentia e muito temido por sua estúpida violência juvenil. Quase todos os colegas já haviam apanhado dele e diziam que ele sempre escondia um canivete no mato. Eu o evitava tal como o diabo evita a cruz. O sujeito brigava por qualquer coisa ou motivo e, também, por nenhum motivo. Eu não me contentava em ser o segundo da fila à direita do tal sujeito e torcia para que ele não errasse a nenhuma pergunta da professora.
De repente a mestra ergueu o braço direito com a palmatória em punho e, se dirigindo ao Zé Roló, assim lhe perguntou:
- Quanto é nove vezes oito?
Ele pensou....pensou, pensou e depois de uns trinta segundos, bem alto gritou:
- Sessenta e seis, professora!
Minhas pernas tremeram por puro medo de brigar com ele. Eu não deveria responder corretamente, pois o meu “acerto” custar-me-ia alguns tapas no meio da cara há poucos minutos da saída.
Eu nunca havia brigado.
Eu nunca havia apanhado.
A professora me encarou, exigindo réplica.
Então, erroneamente assim respondi:
- Nove vezes oito é setenta e nove, professora!
Até hoje eu não me perdôo por tamanho absurdo. Mas apanhar de Zó Roló seria muito mais vergonhoso. A cidade toda saberia, assim como ela sabia de tudo e da vida de todos.
A mestra percebeu algo estranho e resolveu anular a questão. Também mandou que nós trocássemos de lugar. Passei a ser o primeiro da fila e Zé Roló o segundo, à minha direita.
- Vamos começar novamente – disse ela : qual é a capital do Brasil?
Já que eu era o primeiro da fila, prontamente respondi:
- Niterói, professora!
Dessa vez Zé Roló acertou, assim gritando:
- Professora, não é Niterói, é Rio de Janeiro!
- Dá nele duas palmadas - disse-lhe a professora entregando-lhe a monstruosa palmatória.
Minha estratégia era ficar amigo de Zé Roló e aquelas duas pequenas palmadas serviram para tal.
SE NÃO PODES COM ELE, JUNTE-SE A ELE”.