Um vento forte dominava a noite na cidade. Uma chuva fina obrigava as pessoas a procurarem seus lares, ou qualquer tipo de abrigo. Quem passasse na periferia da cidade, próximo aos barracos e favelas, poderia ver uma luz e uma sombra que se destacava naquela completa escuridão.
Chovia forte na vila pardal, pela janela do cômodo do barraco onde morava, Marquinhos olhava desolado a rua. De férias escolares sabia que pela manhã estaria nos semáforos vendendo balas e tentando receber alguma esmola. No outro dia seria véspera de natal e sua mãe queria reunir o máximo de dinheiro possível para poder comprar alguma coisa a mais para pôr à mesa. Ele estava entristecido, pois lembrava que no dia anterior, de tarde, quando estava no semáforo tentando ganhar algum dinheiro, o seu colega da Escola Alfabeta, melhor amigo, passara dentro do carro de seus pais. Rafael estava com algo na mão que marquinhos percebeu ser um sapato, parecido com o que se usava na escola. Quando o viu pedindo esmola e vendendo bala ao lado do semáforo escondeu o que segurava e seus pais rapidamente fecharam as janelas do carro e seguiram em frente. Marquinhos não consegui entender, apesar de ser pobre e morar em um barraco, várias vezes ele andou naquele carro. Quando a mãe de Rafael, fazendo questão de ajudar, mudava o seu percurso e o pegava na porta de casa, levava ele e Rafael para a escola, isto todos os dias. Várias vezes a sua mãe não queria deixá-lo ir para escola e a mãe de Rafael falava com a sua mãe, para ele não faltar. Então ia para a escola sempre rindo e brincando com o seu amigo. Naquela tarde no semáforo o seu melhor amigo escondeu o rosto. Marquinhos conseguiu ver o que Rafael trazia e que chamou-lhe tanta atenção. Por ser o que ele tanto desejava, para não ser um destaque na escola, aquele que não tinha o sapato.
Todos os dias quando Marquinhos partia para escola a sua professora cobrava o sapato da escola. Todos tinham e ele não. Caminhava para escola de sandálias. Foi o que a sua mãe pôde comprar. No recreio ele se isolava dos colegas, pois sem o sapato ele não conseguia acompanhar as brincadeiras de pique tá, pique bandeira, pique esconde. Por isto ele muitas vezes preferia ficar em casa. Até que um dia chegou um menino engraçado que abraçava todo mundo e se tornou seu amigo. Rafael em um dia na hora do recreio fez questão de tirar o seu sapato para que ele brincasse. Agora ele viu seu amiguinho se esconder dele. Entretanto Marquinhos imaginava que não perderia seu amigo, pois as pessoas são diferentes em cada lugar e Rafael seria aquele amigo de sempre na escola.
Marquinhos foi deitar e como se passasse poucos minutos ele foi acordado pela sua mãe que mandava que ele se apressasse e colocasse logo a roupa retalhada que ela separara; fosse para a rua e pegasse logo um pouco de dinheiro, ao esmolar no sinal de trânsito.
Ainda chovia na cidade, um vento frio atormentava quem andava com pouco agasalho. Marquinhos se colocou encolhido próximo a um semáforo e começou a tentar vender ou pedir algum dinheiro. Os carros passavam com seus vidros fechados. Com a chuva ninguém abria os vidros e o vento frio não permitia que as pessoas, pelo menos, arriscassem a olhar para aquele menino que pedia esmolas. Foi assim a tarde toda até que ele percebeu que a noite estava chegando e caminhou para sua casa.
Marquinhos imaginava que sua mãe iria reclamar e até tentar bater nele, estava chegando de mãos vazias.
Na porta de sua casa Marquinhos foi recebido pela sua mãe, que já o esperava preocupada. Deu-lhe um banho e colocou a sua roupa de natal. Marquinhos não entendeu muito, mas ficou satisfeito. Sua mãe havia recebido da sua patroa, a mulher ao qual ela era empregada, uma cesta de natal com vinho, frutas cristalizadas e pernil. Ela estava animada e Marquinhos muito mais, pois teria um natal maravilhoso. Passava das 22h00min quando alguém bateu na porta. A mãe de Marquinhos correu para atender, ela convidara suas irmãs para compartilhar daquela cesta de natal, as irmãs da mãe de marquinhos não tinham além de pão e água para comemorar. Quando a mãe de marquinhos chegou até a porta, a abriu para atender as pessoas que batera, chamou Marquinhos. Ele assustado correu em direção a voz de sua mãe. Quando chegou até a porta, lá estava Rafael e seus pais. Rafael estendeu a mão e deu uma caixa embrulhada com papel de presente para Marquinhos.
Chorando Marquinhos começou a abrir a caixa até que percebeu, era o sapato da escola, justamente o que ele havia visto quando estava no semáforo. Marquinhos deu um longo abraço em seu amigo e o resto da noite foi muito feliz para Marquinhos. Sem seu amigo Rafael, pois ele acompanhou seus pais para uma noite de Natal em família.