O Riquixá tupiniquim
– Vô, senta aqui e conta uma história pra nós! Disse Luizinho ao seu avô que acabara de chegar em visita à casa do neto. Pedrinho, Maria Luíza, irmãos de Luizinho, e os primos, Guto, Nuno e Franco, que ali estavam em visita, se aproximaram para ouvir as histórias do avô.
Os netos se divertiam muito com as histórias da infância o avô, que este lhes contava; eles ficam a imaginar como era naqueles tempos antigos que o avô adorava recordar e que parecia um outro mundo completamente diferente de agora. Cada época que se vive em um lugar é como se fosse um mundo diferente tanto das épocas anteriores como das posteriores. Na cabeça das crianças, absortas ao ouvir as histórias, surgiam imagens como se fossem filmes com o enredo dos causos contados pelo avô. E não eram apenas as crianças que se deleitavam, o ancião parecia viajar no tempo e se remoçava , brotava-lhe jovialidade nos olhos, na pele, enquanto falava; em verdade, ele não limitava a contar as histórias, ele as revisitava, ele as revivia enquanto as contava.
– Tudo bem, vou contar uma história, mas só se vocês ficarem quietos e calados enquanto eu estiver falando. Alertou o ancião .
Todos confirmaram que ficariam calados para ouvir a história.
– Eu tinha de oito para nove anos. Nós morávamos num sítio. Meu pai, sempre que tinha um tempo, arranjava uma forma de brincar comigo e com o meu irmão mais velho. Às vezes jogávamos bola, nós tínhamos um galpão que possibilitava jogar bola, com uma parte de tatame que tanto servia como a área do gol para saltarmos nas bolas chutadas, como para fazermos outros exercícios como jogar capoeira, saltos, rolamentos e outros. Ali também tínhamos uma pequena academia com bicicleta ergométrica, saco de pancada, halteres , mesa de musculação; presa na parte da frente, próximo ao telhado do galpão, tínhamos uma cesta de basquete afixada a uma tabela feita de chapa de metal.
– Tudo isso vô? Perguntou admirado Pedrinho.
– Sim, meu pai foi atleta quando jovem e envelheceu praticando exercícios. Nunca parou; apenas diminuiu o ritmo com a idade. Mas, agora vem a melhor parte: ele fez o Xarifá...
– Xarifá, que é isso? Quis saber Guto, que, como os outros, ficou curioso ao ouvir aquela palavra da qual nunca ouvira falar antes.
– Xarifá é um neologismo...
– Neo o quê? Maria Luíza interrompeu.
– Neologismo é uma palavra nova, recém-criada, e a palavra Xarifá foi eu que a criei, sem querer, é claro...
– Como assim? Foi a vez de Nuno interromper.
– Vou explicar. Meu pai tinha um carrinho de mão com duas rodas laterais. Rodas de bicicletas, na época chamadas de BMX, aro número vinte. Usava o carinho para buscar lenha para queimar no fogão e forno a lenha, e na sauna, também à lenha, que tínhamos. Foi então que meu pai adaptou o carrinho para servir como um Riquixá...
– Riquixá, que palavra esquisita! É neologismo também? Inquietou-se Franco, que até então permanecera calado, mas atento ao que dizia o avô.
– Riquixá é uma pequena carroça de tração humana, ou seja, puxada por gente, usada para transportar pessoas. Foi criado no Japão há muitos anos e se tornou popular também na China; funcionavam como táxis. Nos tempos modernos foram proibidos nesses países porque costumava haver muitos acidentes por descuido dos condutores do veículo. Foram substituídos pelos ciclo-riquixás, que são riquixás adaptados em triciclos, motorizados ou a pedal, e funcionam também como táxis tanto nos países onde se originou o Riquixá, como Japão e China, como em outros países asiáticos, Índia e até em países ocidentais, como nos Estados Unidos, por exemplo. São muito usados como veículos para transportar turistas, especialmente por seguir em baixa velocidade e permitir a observação da paisagem por onde transita.
– E o pai do senhor fez um Riquixá, vô? Quis saber Maria Luíza.
– Não, ele adaptou o carrinho de mão que tinha, colocando uma grade mais para facilitar-lhe o equilíbrio, e adaptou uma cadeirinha automotiva ao centro dessa grade. Pôs um cinto de segurança para evitar que eu caísse no caso de trombar em alguma coisa, passar em buracos, empinamento acidental, etc. Só que ficou como se fosse um Riquixá invertido, ou seja, ao invés de ser puxado por uma pessoa, era empurrado como um carrinho de mão e a cadeirinha ficava voltada para a frente, para onde iríamos seguindo.
– Hummm! Fizeram os meninos em coro.
– E nós saíamos passeando pelas estradas da comunidade, poeirentas nos tempos da seca e enlameadas nos tempos de chuvas: eu sentado na cadeirinha, meu pai empurrando o carrinho-Riquixá e o meu irmão de bicicleta. O meu irmão aproveitava para empinar a bicicleta pelas estradas pouco movimentadas, dificilmente ele andava mais de cinquenta metros sem fazer as manobras de empinar; para ele andar de bicicleta era empinar. Meu pai aproveitava para exercitar enquanto conduzia o carrinho comigo – ao conduzir o carrinho ele exercitava as pernas ao caminhar e os braços e tronco ao empurrar e mantê-lo sob controle –; meu irmão tinha liberdade para empinar a bicicleta, desde que tivesse cuidado com o trânsito e para não cair, porque era também uma forma de ele fazer esforço físico que ajudavam na queima de calorias. Eu ia sentado confortavelmente, mas o terreno irregular das estradas exigia um certo esforço também da minha parte para me equilibrar, mesmo sentado na cadeirinha acolchoada.
– Mas o senhor falou em Xarifá, é o mesmo que Riquixá? Lembrou Luizinho.
– Já ia me esquecendo! Xarifá não é a mesma coisa que Riquixá. A palavra Xarifá não existia, o que ocorreu foi que, logo que meu pai tinha feito o carrinho e já tínhamos feito alguns passeios, certo dia eu o chamei para fazermos mais um passeio, e eu estava tão ansioso, tão empolgado, que ao falar o nome Riquixá eu nem percebi que havia falado outra palavra – “Pai vamos passear no Xarifá?” Meu pai riu e eu até fiquei meio desconcertado por um momento, por ter errado o nome, mas logo nós rimos e começamos a usar a nova palavra que eu havia criado, sem querer, para identificar o nosso carrinho. Desde então, o nosso Riquixá, passou a ser o Xarifá.
– Sobre o que o senhor e o pai do senhor conversavam enquanto passeavam pelas estradas de terra?
– Muitos assuntos – respondeu o avô – falávamos sobre plantas. Ele me explicava o nome das árvores, arbustos, capins, enfim, de toda a vegetação que víamos pelo caminho; mostrava as características das árvores que permitem ser identificadas: o formato e cores dos troncos, folhas, cascas, flores, frutos... Falava das que eram usadas para lenha, as que serviam para móveis, construção, remédios, decoração, alimento... Mas o que eu mais gostava de conversar era sobre pássaros. Ele me ensinou a identificar os principais tipos de sabiás e os diversos nomes que uma mesma espécie pode ser chamada: sabiá-coco, sabiá-peito-branco, sabiá-do-campo, techo, tejo, tejo-do-campo, calhandra, que era o mesmo pássaro com vários nomes que variam de região para região; o sabiá-peito-roxo, sabiá-bico-de-osso, sabiá-bico-de-louça, sabiá-bico-amarelo; o pássaro-preto que também é conhecido como graúna, chico-preto, maria-preta, assum-preto, arranca-milho, chopim, craúna, melro; o corrupião vermelho, amarelo ou alaranjado, também chamado de sofrê, concriz, um dos pássaros mais lindos que já vi, de cores vivas, intensas, e o corrupião preto, chamado também de gurrijo ou gurricho, que costuma imitar o canto de outras espécies de pássaros; a pomba-rolinha pedrês e a parda, pomba-juriti, pomba-verdadeira, ou asa-branca, a pomba-amargosa com seus olhos vermelhos brilhantes como um rubi; o joão-de barro, cor da terra, também chamado de forneiro, uiracuiar e uiracuité; o tico-tico que é parecido com o pardal, mas é brasileiro e o pardal é pássaro exótico, foi trazido de outras terras, pelos portugueses em seus navios, e não fica na roça: só fica na cidade ou povoados e é considerado uma praga urbana. Ele me explicava sobre muitos outros animais como as cobras venenosas e as não venenosas, os insetos peçonhentos e os não peçonhentos, as rãs, sapos, largatixas, os lagartos como os calangos e teiús, ou tiús, o camaleão... Era uma infinidade de informações sobre o meio ambiente e sobre as transformações que o ser humano faz na natureza que me deixavam maravilhado – concluiu o avô.
– Intervalo para o lanche! Uma voz feminina alertou. Era a mãe de Luizinho, Maria Luíza e Pedrinho, tia de Guto, Nuno e Franco.
Todos foram correndo para a mesa posta para o lanche, inclusive o ancião, que costumava imitar algumas atitudes dos netos como forma de interagir com eles.
– Vô, depois do lanche o senhor conta outra história? Perguntou Luizinho enquanto se dirigiam para a mesa.
– Sim, só mais uma. As outras vamos guardar para outro dia, certo?
O neto fez que sim com a mão fechada e o polegar levantado, sinal de confirmação que já existia nos tempos do Império Romano , atravessou gerações e gerações, foi comum nos tempos da infância e juventude do avô e que ainda continua atual.