cantilena de cantil
O cantil foi um dos petrechos que papai trouxe para casa, quando éramos ainda bem pequerruchos. Ele juntava-se à lanterna, ao capote, ao punhal, com bainha de couro, e ao chapéu Ramenzoni, marrom, também de couro, e as galochas...
E como era atraente aquele recipiente de alumínio, bojudinho, agasalhado numa capa de feltro cinzenta que se prendia por uns botões, e uma rolha de cortiça, com tampo metálico que, por uma correntinha, presa ao pescoço do cantil se mantinha.
E não demorou muito uma incursão nossa, liderada pelo velho, no caminho antigo que ligava nosso distrito do Brumado a Pitangui quase uma légua adiante, por meio de uma cabeça de serra que atravessava pastagens alternadas com vegetação típica do cerrado.
As recomendações de mamãe eram muitas e sempre pressurosas, mas papai a tranquilizava, enquanto, mal contendo nosso alvoroço, nos lançávamos em marcha.
E a cada parada papai ia nos dando explicações sobre as plantas, algumas com suas frutinhas exóticas, os sinais dos animais, domésticos, no caso do gado, e silvestres, dos tatus aos teiús, onde, contudo, a presença de pássaros era a de mais excitante visibilidade por meio dos ninhos de joão-congo, feitos de abundantes gravetos pendentes das galhadas de árvores...
Mas a excitação maior ficou por conta da estreia do cantil, com água de nossa cisterna. E a verdade é que esperávamos mais frescor naqueles sorvos ligeiros de que fomos servidos, do menorzinho, o Joe à maiorzinha Bebel, passando pelo Beu e por mim. Nossa expectativa, não confirmada, era a de que o feltro da capa iria manter friinha aquela aguinha.
Os passeios tornaram-se mais raros. Mas o cantil manteve-se como presença fiel e duradoura em nossa casa, sempre dependurado em alguma parede ou barrote de telhado. Perdeu a capa de feltro, quiçá num espetáculo de strip-tease, para sobreviver, mas mesmo na nudez não deixou de demonstrar sua altivez...ou alcantilvez..., talvez...?