Lá no fim do mundo

Era uma vez, nos confins da terra, onde o Sol é tão forte que não se põe para que chegue a noite e onde o calor é tão grande que as pessoas não sabem o que é o frio, uma menina de vestes coloridas com bordados dourados e olhos grandes tão bonitos quanto diamantes.

Nos confins da terra não existem casas, prédios, estradas ou qualquer coisa construída pelas mãos humanas: lá as pessoas ainda habitam nas florestas, nos pequenos desertos, nos lagos e nas montanhas. As habitações são feitas por aquilo que há ao redor: as árvores crescem em formato de casa, as areias se juntam para formar adoráveis estruturas que, apesar de parecida com cavernas, formam charmosas casinhas redondas. Existem até lugares feitos de água onde as pessoas podem morar. Como não existe noite, não existem problemas com o escuro e como não existe frio, ninguém precisa se preocupar muito com o que veste. Os bichos eram mansinhos e não devoravam uns aos outros, nunca havia havido nenhuma guerra ou sequer desentendimento entre eles e os humanos.

A própria menina, cujo nome era Alissa, tinha um tigre de estimação. Ele era grande, peludo, tinha o dobro do tamanho dela e gostava de correr com ela nas costas pelos campos e desertos. Cabiam quase três crianças nas costas do tigre e seus amigos gostavam tanto dele que sempre pediam para ir junto. Alguns meninos tinham elefantes, outros tinham girafas, os que moravam na água tinham até baleias!

Alissa havia nascido ali. Não conhecia nenhum outro lugar e nem fazia muita questão de conhecer... Morava entre o deserto e a floresta, passava os dias dançando sob o Sol, correndo com o tigre e comendo as melhores frutas da região. Todas as crianças brincavam juntas, todos os animais brincavam com elas e de vez em quando, todos se reuniam na cachoeira para cantar e contar histórias juntos. Os mais velhos contavam que há muito, muito, muito tempo, tanto tempo que nem conseguiam contar quanto, viveram em um lugar muito diferente daquele: as pessoas viviam brigando, os animais viviam brigando, as casas eram feitas por eles próprios e nem todo mundo tinha o que comer... A menina ouvia sobre aquilo e sentia seu coração palpitar. As histórias davam medo e pena ao mesmo tempo.

Uma vez, depois da contação de histórias na cachoeira, perguntou para a mãe se aquele lugar ainda existia: a resposta que teve foi que, infelizmente, existia sim e muita gente ainda estava sofrendo por lá. Mas não sofreriam para sempre. Os confins da terra tinham espaço para todo mundo e de pouquinho em pouquinho, outras pessoas chegariam ali. O problema é que precisavam de alguém para mostrar o caminho: e ultimamente, pouca gente queria ir buscá-las. Se ninguém buscasse, jamais seriam capazes de achar o caminho sozinhas porque os dois mundos eram tão distantes que acabariam se perdendo.

Respirando fundo e tomando coragem, a menina tomou a decisão mais complicada e corajosa de toda sua vida: iria ao outro mundo, como uma heroína, uma espécie de guia, buscar outras crianças como ela. A parte triste é que não poderia levar o tigre, porque para o outro mundo ele parecia perigoso. A mãe lhe deu uma capa para o frio, ensinou-lhe sobre o que eram o escuro e a noite, disse para tomar cuidado com os animais e as pessoas e com um beijinho na testa, uma mochila cheia de comida e o coração cheio de orgulho, abriu para ela o portal mágico que levava ao outro lado. Assim que o portal abria, um mar se abria junto. Apareceu um barco enorme, com bandeiras brancas e um comandante forte, que a levaria para o outro lado.

A viagem foi tranquila e, assim que desembarcou, a menina se deparou com um mundo enorme e muito diferente. Sentiu saudades da mãe, do pai, da casa feita de árvore, das frutas, do tigre, dos amigos... Mas respirando ainda mais fundo, decidiu procurar gente para levar de volta para casa com ela.

O problema é que, quando quis voltar, não sabia como chamar o barco, o comandante ou abrir o portal. Se esquecera de como a mãe havia feito e, bastante chateada, correu para longe do porto. Foi tão, mas tão longe que caiu a noite e ela não sabia para onde havia ido. Nunca havia estado no escuro em toda sua vida. Começou a fazer frio. Demorou a pensar que precisava de um casaco, de um abrigo e de fogo para se aquecer.

Comeu o que a mãe havia lhe dado e chorou sentada perto de uma árvore, até adormecer. Na manhã do dia seguinte, tentou procurar pessoas para levar para casa e o próprio caminho de casa. Voltou ao porto, mas nada do barco ou o comandante aparecerem. Fez isso durante muitos e muitos dias, tantos que perdeu a conta. Aos pouquinhos, foi se esquecendo de tudo... Acabou encontrando uma casa feita por mãos humanas, dois adultos que queriam ser seus pais, crianças que queriam ser seus amigos e adotando um cachorrinho para ficar no lugar do tigre.

De repente, ela tinha um novo lugar para morar e todas as outras coisas eram novas. Apesar do mundo diferente e das saudades, sentia lampejos de felicidade que foram ficando cada vez mais frequentes e ela quase podia se sentir “em casa”. Mas mesmo assim, em algumas noites, quando ficava com frio, lembrava de que de onde veio só havia luz e calor. Fechava os olhos bem forte e pensava que um dia acharia de novo o barco, o comandante e o portal mágico.

Alissa, um belo dia, olhou-se no espelho. Estava tão crescida que parecia a cara da mãe! Seus olhos estavam tão iguais aos da mãe que sentiu o tipo de saudades que chega a fazer doer o peito. Como será que tudo estava sem ela? De repente, deu-se conta de quanto tempo havia passado e de quanto deveriam estar sentindo sua falta. Em um ato de desespero que surgiu do nada, saiu correndo da casa onde morava e foi incansável, sem diminuir a velocidade, até o Porto. Olhou firme para o Mar. Precisava ir para Casa. E não queria ir sozinha. Ao colocar os pés na água, ouviu ao longe a buzina do Navio. Finalmente!

Chamou os novos pais, os novos amigos, o cachorrinho e outras pessoas que havia conhecido. Esperaram quase até o amanhecer quando, quando o primeiro raio de Sol brilhou no Céu, apareceu o comandante com o barco vazio. Com um sorriso no rosto, a menina encheu o barco e disse que ninguém ali poderia olhar para trás. Quando chegaram ao outro lado, a mãe, o pai, os amigos e o tigre lhes esperavam como se nem um segundo sequer tivesse passado.

A natureza construiu casas de água e areia para os novos habitantes e o cãozinho virou amigo do Tigre – que, aliás, recebeu Alissa com tanto amor que quase a derrubou. Ela já estava grande, mas mesmo assim, ainda cabia em suas costas... Correram juntos por todos os lugares, matando a saudade e apresentando os novos moradores dos confins da terra.

Hoje em dia, Alissa está em sua casa feita de árvores treinando e ensinando outras meninas a fazerem o que ela fez. Agora, é permitido trazer os tigres. Em breve, este mundo estará cheio de crianças e animais mostrando o caminho ao outro lado.

Camila Amizadai
Enviado por Camila Amizadai em 06/05/2021
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