Chapeuzinho Vermelho nos Tempos de COVID-19 – Cícera Maria.
Florestino Lobo estava a fazer uma das poucas coisas boas e bonitas que ainda fazei naquilo que ele chamava de vida. Tirou um dia de folga na comunidade onde vivia, na qual todo mundo lhe obedecia, não por respeito, mas por medo, pois ele e o seu grupo se faziam obedecer... Esse dia como já falei, Florestino tirou para fazer algo que ele gosta muito e que lhe remete a sua infância. Foi passear na Floresta da Tijuca! Ele gosta muito do Cristo Redentor, mas quando precisa relaxar, curte mesmo é ficar de papo pro ar, deitado debaixo das arvores, com o corpo em contato com a terra; as folhas; os garranchos das arvores e de preferencia as margens de uma cachoeira, tudo que possa trazer de volta as lembranças do lindo Bosque em que viveu a sua tão gostosa e saudosa infância.
E lá estava ele deitadão, bem à vontade, em baixo de uma linda arvore, a beira da cachoeira Cascata Gabriela, encantado com o som de suas águas, quando é interrompido por outro som. Era uma voz tão bonita, tão angelical, que ele num repente ergueu-se e sentou para contemplar. Era uma linda jovem acompanhada de uma senhora de meia idade, muito elegante por sinal, mas Florestino Lobo não conseguia mesmo era desviar o olhar daquela encantadora jovem, o coração pulso na garganta e de seus olhos faiscavam coraçõezinhos, como nos desenhos animados. Que voz; que corpo; que cabelos; que boca; que olhar; que expressão; que tudo!...
Florestino já começou a fazer mil planos de como se aproximar da jovem e se apresentar. Lembrou-se de que já a tinha visto em sua comunidade. “Como esse mundo é pequeno”. Falou ele de si para si mesmo! E continuou em busca de uma forma de se aproximar da jovem sem assustá-la, ou aborrecê-la; reconheceu ali que ele era meio casca grossa e, que tem mulher que gosta, mas ela não tinha jeito de quem gostava. Não podia fazer nada errado, causando uma má impressão. Quem diria Florestino Lobo, o Mau... Se preocupando em não está agradando alguém. E falou consigo mesmo: “É Lobo, os brutos também amam...” E continuou em busca de solução. “Bem que poderia aparecer ali uma aranha caranguejeira; uma centopeia gigante; ou quem sabe uma cobra venenosa, ou qualquer outra coisa que botasse medo nela, aí eu sairia correndo para salvá-la e assim teria um motivo palpável para me aproximar”.
Enquanto ele pensava, olhando em direção a jovem, viu que ela olhava em torno de si mesma e bem devagar pegou um pedaço de pau que avistou bem próximo de si e arremessar em sua direção. Florestino agacha-se de uma vez, tão veloz quanto a um gato assustado, mas mesmo com sua agilidade, não conseguiu evitar bater com a cara no chão, quando suspende a cabeça já foi perguntando. “Tá doida!...” A jovem levantou-se a sorrir e falou: “Acabei de salvando a sua vida palhaço, olha aí o que tem atrás de você!”.
Florstino olha para trás e ver se afastando as pressas, uma enorme cobra cascavel. Ele levantou-se bem mais rápido do que se agachou e correndo em direção a jovem e, sem pensar a abraçou. Ela não rejeitou o abraço, mas ficou um tanto sem jeito e quando ele a soltou ela afastou-se um pouco e colocou a mascara; ele um tanto sem graça pediu desculpas por está sem mascara e tê-la abraçado assim de repente, mas lhe garantiu que não estava doente, que tinha a certeza de não está com a COVID-19. E confessou: “Na verdade eu fiquei apavorado, nem percebi o que estava a fazer, é que tenho verdadeiro pavor de cobras, mas lhe garanto que não estou contaminado com o coronavírus!”.
Daí, amenizado o susto, ele também colocou a mascara e perguntou se podia sentar-se ali perto delas, a garota olhou para sua vó, a qual com um suave gesto concordou e, ele sentou-se, começaram então, as apresentações, porém antes de ele se apresentar, lembrou-se de como havia planejado ser aquela apresentação. Pensou em falar: “Taí. Gostei de tu, tá ligada? Deixa que eu apresente aqui a minha pessoa: Sou Florestino Lobo, mas pode me chamar de Lobo. Lobo, o Mau!...”. Só que depois daquele incidente, não ia ficar bem ele se apresentar daquela forma. E até pensou como seria a resposta da garota. Florestino, porém foi arrebatado de seus pensamentos por uma indagação da garota:
“E aí não vai se apresentar, vai continuar com essa cara assustada? A cobra já foi em bora!”. Naquele momento ele teve a certeza de que não poderia mesmo se apresentar daquela forma, até por que ela poderia não gostar e, ele acabara de descobrir que estava completamente apaixonado! Então respondeu: “Sim, claro, claro, me desculpa! Sou Florestino Lobo, mas você pode me chamar de Lobo, Lobo o... Só Lobo mesmo”. Ela sorriu e completou: “Lobo, o Mau!...”. Ele ficou um tanto sem graça e então perguntou se ela já o conhecia; ela responde que sim, pois morava na mesma comunidade que ele e, como não conhecê-lo diante do que ele andava fazendo; aliás, o mundo inteiro já o deveria conhecer. E o alertou dizendo. “O carro da lapada passa por minha Rua também... E você, você não me conhecia?”.
Na verdade ele a tinha visto uma vez, um dia em que ela ia passando com uma cestinha de doces para doar a uma creche de crianças carentes da comunidade; ele havia perguntado quem era e falaram pra ele se tratar de uma jovem ali mesmo da comunidade, que ela morava com sua mãe, a doceira e, que se destacava em ousadia e generosidade; que seu nome era Chanel, mas os amigos a chamavam de Chanelzinho, alguns lhe chamavam de Chapeuzinho, isso por que ela tinha os cabelos cortados ao pé da orelha e pintados de vermelho; sua mãe prestava serviços comunitários, por isso quase todos dali a conhecia e gostavam muito dela. Falaram a ele também que a vó de Chanelzinho, ou Chapeuzinho, como ele preferisse, era uma senhora atual e atuante, no augiu dos seus sessenta anos, mas com alto estima de uma mulher de vinte; não perdia uma oportunidade de está em contato com pessoas e com a natureza: Caminhada em volta da Lagoa; Trilha na Floresta da Tijuca; picnic as margens de alguma cachoeira; aquele mergulho no Piscinão de Ramos! Sempre na companhia de sua neta a Chapeuzinho; que as duas eram unha e carne!... Até sobre a cestinha de doces que a mãe de Chapeuzinho dar as duas em cada passeio que elas fazem, ele foi enformado. As lembranças vieram a sua mente, em segundos, ficando na dúvida se respondia sim, ou não, apenas falou: “Como esse mundo é pequeno”.
Chapeuzinho fez questão de falar que era filha da doceira que distribuía cestas básicas na comunidade e não perdeu a oportunidade de lhe apontar o grau de disparidade entre o que ele fazia e o que sua mãe fazia. Que sua mãe distribuía cestinhas de doces enquanto ele distribuía ameaças, terror. E fez questão também, de repetir o anuncio divulgado no carro de som que por ordem dele circulava pelas Ruas da comunidade, até imitou a voz do Locutor: “Atenção, atenção, o carro da lapada está passando em sua Rua, ou você abraça a causa, ou a causa lhe abraça”.
O carro da lapada, ao qual Chapeuzinho se referiu, foi uma ideia do Lobo com o intuito de forçar os moradores de sua comunidade a não saírem de casa, esses não podiam nem ao menos sentar-se a porta de suas casas para conversar com os amigos e/ou familiares, pois se o fizesse e o carro da lapada passasse e visse, realmente tinha lapadas. Quem saia de casa de carro; moto; bicicleta ou a pé estava sendo barrado nas Ruas e se esse não comprovasse que estava indo trabalhar era tocado de volta para sua casa à base de lapadas com um cassetete de borracha que eles levavam consigo no carro.
O Lobo, diante da ousadia da jovem, em lhe chamar a então, não teve dúvidas: “É ela!... É ela a mulher da minha vida. O Lobo Mau finalmente vai se amarrar”. E procurou se defender frente ao questionamento de Chapeuzinho, dizendo que precisava tocar o terror mesmo, para impor respeito, pois se ele não agisse assim a comunidade não se tocava de que essa doença é terrível, que já levou muita gente; já interrompeu muitos sonhos; deixou muitas famílias pela metade, pais sem filhos, filhos sem pais; e que nas UTI dos Hospitais já não havia vagas. Falou-lhe que as pessoas estavam morrendo e sendo armazenadas em carros frigorífico e depois depositadas em valas, sem ao menos ter direito ao ultimo adeus de sua família. Que ele mesmo já havia perdido muitos amigos, por isso precisava agir daquele jeito, pois estava preservando sua vida, dos amigos e da família; e aquela gente poderia até não entender, mas ele estava preservando a vida de todos eles também.
Chapeuzinho mirou séria a cara do Lobo e respondeu: “Cara você é um tremendo Zé Mané... Respeito não se impõe, respeito se conquista, veja bem o que aconteceu aqui! Eu não mandei você colocar a mascara, não te fiz nem uma ameaça, mas você a colocou e ainda me pediu desculpas por ter me abraçado estando sem mascara”. No impulso o Lobo respondeu: “Mas você salvou a minha vida”. E a garota completou: “A meu ver, isso se chama conquista”.
Pois é. Chanelzinho, ou Chapeuzinho! Com um simples ato e poucas palavras fez com que o Lobo entendesse que nossos atos geram gratidão, a gratidão gera o respeito e por respeito apoiamos e defendemos o projeto de alguém. O Lobo percebeu de cara que ela era uma ótima administradora, com excelentes ideias e argumentos; admitiu que estava agindo errado e garantiu que a partir daquele momento tudo iria mudar. E aproveitando a oportunidade a convidou para administrar os seus projetos; ela falou que preferia dar um tempo pra ver se ele realmente iria mudar!
Naquele momento o Guarda Florestal chegou perguntando se estava tudo bem e falou que devido à hora, eles precisavam se retirar. A vovó aproveitou para se dirigir ao guarda fazendo um elogio ao Lobo, o que reforçou nele, mais ainda o desejo de mudar e rever os seus atos. “Desculpa seu Guarda, é que esse gentil e educado rapas tem um papo tão gostoso, que o tempo passa e a gente não ver!”. O Lobo olhou pra ela todo convencido e ao mesmo tempo agradecido.
O que se fala, nem sempre causa efeito, mas como se fala, faz a diferença!
Uma semana depois, o Lobo estava matriculado em uma faculdade de Comunicação, tendo aulas online, é claro, por conta da pandemia; o carro da lapada estava sendo utilizado para entregar as cestas básicas confeccionadas pela mãe de Chapeuzinho. Os produtos das cestas, passaram a ser doados por Florestina Lobo, que adicionou a cesta, dois produtos a mais: mascaras e álcool em gel; e ele ainda passou ajudar nas entregas. Veja só, ao invés de Chapeuzinho passar a administrar os projetos dele, ele foi quem passou a ajudar nos projetos da mãe de Chapeuzinho.
O amor realmente faz milagre!...
Pouco tempo depois Lobo e Chapeuzinho estavam namorando e logo ficaram noivos. Como eles não abrem mão de uma grande festa e o momento não permite aglomeração, o casamento está agendado para depois da pandemia; a celebração acontecera no local do primeiro encontro do casal, tendo como um dos padrinhos, o Guarda Florestal que também esteve presente no primeiro encontro; a vovó é quem vai entrar com as alianças. Vão se casar e com certeza serão felizes para sempre, pois eles merecem! E eu como Historiadora, sem dúvidas estarei presente para registrar tudo e depois volto aqui para contar pra você!