A Colmeia Gigante

Silvano foi quem viu a colmeia gigante e nos convenceu de que podíamos extrair o mel. Nossa dúvida era sobre como faríamos para afastar as abelhas. Mas Silvano se impôs sobre nós com a autoridade de seus 14 anos e afirmou com segurança: - Eu sei como fazer. Só confiem em mim e façam o que eu mandar, certo? Nenhum de nós foi capaz de contrariá-lo. Então organizamos uma pequena brigada para a “operação colmeia”: eu, meus irmãos Ailton e Haroldo, o primo Antônio, irmão do Silvano e Natan, nosso amigo comum. A possibilidade de abocanharmos aqueles favos cheinhos de mel já tinha invadido nossa imaginação e nos convencido do sucesso daquele empreendimento.

- Só precisamos espantar as abelhas com fumaça e depois retiramos a colmeia. Já ajudei meu pai fazer isso mais de uma vez. O desejo pelo mel, nossa fome de aventuras e o discurso convincente de Silvano nos engajou no projeto audacioso.

Caminhávamos num silêncio apreensivo. De longe Silvano apontou com o facão que trazia na mão e nós avistamos a colmeia imensa num dos galhos mais baixos de uma faveleira. Tão recheada que era possível ver o mel escorrer levemente como fios de ouro refletindo à luz do sol.

Não perdemos tempo, sob o comando de Silvano saímos a campo em busca de bosta de vaca seca. Silvano nos dissera que aquilo era o melhor combustível para produzir fumaça suficiente para afugentar as abelhas. Felizmente, esse era um produto abundante por alí.

O trabalho de buscar o esterco era cansativo. Arbustos hostis com suas pequenas garras afiadas prendiam em nossas roupas nos arranhando braços e pernas. Em nosso íntimo nos consolávamos com o pensamento de que aquele sacrifício seria generosamente compensado, se nossa empreitada tivesse êxito, e nós acreditávamos que sim.

Estávamos confiantes pois nessas coisas de mato Silvano era ativo e ligeiro. Aprendeu ajudando o pai no labor de antigo caseiro. “Seo” Júlio Cuidava da propriedade de “Seo” Daniel dono da única farmácia da cidade. A propriedade ficava num recanto de serras no meio da caatinga. Em época de chuvas, aquela região, descortinava um vale recoberto por uma vegetação rasteira de um verde intenso que se estendia pelas íngremes encostas das serras até perder-se no longínquo abismo de pedras.

Com muito cuidado fizemos um pequeno monte de cocô de vaca o mais próximo que conseguimos da colmeia. O zumbido ameaçador que soava no fez recuar. Por vezes, uma abelha mais irritada saía da colmeia e vinha em nossa direção evoluindo em voo rasante em torno de nossas cabeças.

Então Silvano mandou que nos afastássemos. E, ele concentrado juntou alguns gravetos secos e fez uma pequena fogueira sob o monte de bosta que havíamos feito com cuidado. Um fio de fumaça se ergueu devagar e uma chama azulada se insinuou por breve tempo, mas, logo, extinguiu-se em uma fumaça densa fez os olhos de Silvano lacrimejar. Determinado, começou uma nova tentativa. Outro montinho de folhas secas e mais gravetos, acendeu o velho isqueiro que tomara emprestado do pai, sem que este soubesse. Agora uma chama tímida e bruxuleante se elevou envolta em fumaça e firmou-se numa linda chama azul permeada de tons laranja.

Com o ânimo de torcida em jogo decisivo acompanhávamos atentos e nervosos os mínimos movimentos de Silvano que demonstrava a segurança de quem sabia o que estava fazendo. Nesse instante uma brisa começou a soprar enquanto Silvano organizava de modo uniforme as grandes barrelas ressequidas, a fim de obter uma coluna de fumaça mais concentrada. O vento começou a soprar mais forte sobre o fogo ativando a chama. Logo tornou-se uma imensa língua de fogo que, com voracidade, consumiu o monte de bosta seca e se alastrou feroz pelo tronco da árvore alcançando o galho onde estava a nossa cobiçada colmeia. Silvano gritava: - Busquem galhos verdes para abafarmos o fogo! Nossos esforços não foram suficientes. Vimos tensos e impotentes a colmeia ser envolvida pelas chamas. Olhamos para Silvano, mas logo percebemos que tudo estava perdido. Um monte de torrões pretos e um forte cheiro de esterco de vaca queimado foi tudo o que restou.

Fev/2021.