Um Papai Noel infantil, por isso de verdade.

Cecílio também se lembrou do dia em que ganhara uma bola dente de leite, e que furara dois dias depois no arame farpado, ao errar o gol. Foi D. Nilza Menezes quem lhe havia dado uma bola, no dia em que esta promovera um Papai Noel na igreja e distribuíra brinquedos para a meninada.

Nesse dia, inspirou-se como nunca, pois a igreja estava repleta de meninos pobres, e seu saco de linhagem pequeno e com poucos presentes.

Lembrou de uma lenda de Malba Tahan que alguém lhe contara um dia, mas ele não sabia de quem era essa história...

Um rei que tinha de tudo estava muito triste, talvez com depressão, e chamaram um curandeiro. Examinado, foi-lhe receitado vestir a camisa do homem mais feliz do mundo e que fosse encontrado em seu reino.

Os guardas saíram à procura e passaram dias para encontrar, pois ninguém era feliz o suficiente, sempre faltavam-lhes alguma coisa.

Quando estavam desistindo da procura, viram um homem capinando um roçado com uma enxada, todo suado e no sol quente, mas cantando muito feliz. Perguntaram-lhe:

— Você é feliz? - Ele respondeu:

— Sim, muito feliz!!! Todos os dias acordo cedinho e fico aqui a plantar, a capinar... Tenho mulher e muitos filhos, e tudo que eu preciso a terra me dá.

— Sou feliz, feliz, feliz, sou muito feliz!!!!

Levaram o homem até a presença do rei, que perguntou:

— Você é feliz? E ele respondeu:

— Sim, muito feliz!!! Sou feliz, feliz, sou muito feliz!!!!

— Preciso de sua camisa para eu vestir! - Pediu-lhe o rei - E o homem respondeu:

— Mas eu não tenho camisa!

— Como não tem camisa? – Bronqueou o rei, depois compreendeu, mais manso:

— Você não tem nenhuma camisa e mesmo assim é feliz?

— Sim, muito feliz!!! Sou feliz, feliz, feliz, sou muito feliz!!!!

O rei que tinha tudo e estava triste, abraçou o homem e ficou curado de sua depressão.

Depois de comover a todos na igreja e valorizar os pobres, maioria presente, chegara o momento mais difícil: distribuir pouco mais de dez presentes em um saco de linhagem para mais de cem crianças de olhos brilhantes e cheios de expectativas.

Por um instante, passou a viajar no tempo de sua própria infância sem brinquedos, mas com brincadeiras e criatividade: viu crianças brincando de bola e que faziam gols nas traves de sandálias. Tinha um tal de Guelexéu que parecia aqueles meninos da Etiópia, mas era o cão na bola!

Outra turma brincava de rola-bosta: filtro de óleo de Jeep, de Rural Willys ou de Opala, envolto a um cordão de madeixa. Uns jogavam triângulos ou caçapa com bolinhas de gude; outros, de “caiu no poço”, “pega-ladrão” e “bandeirinha”. Era tanto lugar pra se esconder em Rio do Braço, que uma rodada de esconde-esconde demorava horas e horas com mais de trinta meninos!

Lembrou do dia em que chorou quando criança porque racharam seu peão, toraram sua Pipa e quebraram os ovos da sua galinha Pororoca.

O consolo foi jogar uma bolinha (um “babinha”, como chamam na Bahia), na fazenda Norma, tomar banho de rio, e ouvir “O serviço de Auto Falantes Rouxinol da Vila, falando de seus estudos para toda localidade” e que apresentava “múúúúúúsica ao cair da tarde.”

Tocaram: “Eu não sou cachorro não” de Waldick Soriano, “Cadeira de Rodas” de Fernando Mendes, e “Ouro de Tolo”, de Raul Seixas. Márcio Greyck queira “pegar o Sol com a mão” e ele, a lua, porque ficava cheia e imensa, bem pertinho da janela do sobrado. E era o céu mais bem estrelado do mundo!

— Papai Noel! – escutou uma voz o chamando e cutucando suas costas...

Voltara então para aquele momento em 1974: viu pessoas descarregando uma kombi cheia de brinquedos. Era uma doação de todos os comerciantes e dos fazendeiros da época. Nenhuma criança ficou sem brinquedo.

Os pais felizes, mas ninguém desconfiara que o Papai Noel era ele, Cecílio, uma criança que tinha um porte alto (altura) e que estava toda cheia de travesseiros na barriga.

Até hoje tem adulto que acredita que naquele dia, quando criança, conheceram de verdade o Papai Noel, exclusividade do Rio do Braço.

___________________

* Esse texto é uma das várias histórias contadas no livro "Rio do Braço" (Romance Histórico) de Osman Matos, publicado em 2015 pela Editora Mídia Joáo Pessoa, PB (LANÇADO EM 2016 NA ACADEMIA PARAIBANA DE LETRAS) e pela Amazon.com nos formatos e-book e impresso, 2017.