Ei! Devolve minhas poesias.
Clara era uma menina muito faceira. Gostava de cantar e andar descalça pela casa. Tinha uma beleza peculiar, para seus doze anos. Cabelos encaracolados, que soltos, lhe caiam pelo pescoço, com leveza e graça. Olhos verdes, de uma tonalidade hipnotizante, certamente lhe garantiam muitos olhares de cobiça e paixão, em sua juventude. Clara era alegre e festiva. Adorava as flores, o sol, o lago que fazia fronteiras com um encosta montanhosa de onde se via sua casa, aconchegante e ensolarada, pois tinha a varanda voltada para o leste, então se deleitava com os primeiros raios de sol, e ali, se aninhava numa rede ou na soleira, e ficava a ouvir música e rabiscar poesias, coisa que ela muito gostava assim, como o sol, a mãe e o pai.
A mãe se mantinha ocupada com os afazeres do lar, o pai, tinha saído logo cedo para trabalhar como motorista. Clara quando não estava em aula, ajudava em pequenos afazeres da casa, e livre destes, corria fora, em meio a roupas no varal, terra nos pés, gostava de andar ao sol, adorava o calor e sentia-se agraciada por sentir em sua pele a quentura dos dias. O sol não se fazia de rogado e banhava Clara em seus passeios pelos arredores da casa, como um bom condutor de luz e calor.
Aquele dia amanheceu sisudo! O céu turvo, nuvens ditavam cores escuras ao dia. Prenúncio de chuva ou dia frio. Clara não gostava. Ela amava o sol, o calor, as flores e tudo que transbordasse alegria. Ficou acabrunhada num canto. Era sábado. Não tinha aula e nem teve vontade ou gosto para ajudar a lavar a louça do café.
Ficou com seu caderninho, sentada na varanda, encolhida olhando o tempo nevoento. Pensava de si para consigo: Será que vai dar sol hoje?
Começou a rabiscar numa folha em branco; palavras a esmo, sem muita noção do que queria expressar. Olhou, leu, releu, não gostou. Rasgou.
Deixou o caderno num canto e foi pegar um copo de água. Voltou e sentou-se olhando o dia sem sol. Frio e sem cor. Poderia escrever algo alegre e bonito. Escreveria uma poesia sobre o sol, isto cairia bem num dia como aquele, afinal, o astro solar sempre fora seu parceiro preferido nesses momentos de entrega à suas intenções poéticas e sonhos pueris.
Voltou a escrever, escreveu, escreveu, e escreveu. Passou os olhos pela folha, deu uma relida. Arrancou a folha do caderno e deixou-a no cantinho. Tinha gostado! Rabiscou mais e mais. Arrancou mais folhas, e olhou o dia, a montanha ao longe, de um verde acinzentado, se deixou levar pela imagem ao seu redor.
Pipoca veio saltitando ao seu encontro, imersa em seus pensamentos e escrita, tinha esquecido da cadelinha Pipoca, que era muito brincalhona e dócil. A cadelinha foi saudar Clara, pulou no seu colo, e ficou tentando lamber seu rosto.
- Pára com isto! Pára, Pipoca! Vai! - dizia Clara, tentando se desvencilhar das lambidas.
Pipoca abanava o rabinho e sacudia as orelhas...pulava em cima de Clara.
- Mãe, pede para Pipoca parar! - berrou Clara.
A mãe gritou lá dentro da casa.
- Você esqueceu de soltar ela, hoje. Está contente em te ver. Brinca com ela.
Clara estava ficando irritada com tanto festejo da cadelinha que só queria brincar.
Num meio tempo, Pipoca, abocanhou as folhas deixadas na soleira e saiu correndo pelo local.
Clara, deu um grito e saiu correndo atrás, dando voltas na casa tentando resgatar suas
folhas de caderno.
Pipoca chacoalhava o rabinho e sacudia as folhas na boca.
- Vem cá, pipoca! Vem, me dá! - insistia Clara para a cadelinha saltitante.
Pipoca gostou da brincadeira e saiu em disparada com Clara em seu encalço.
- Ei! Devolve minhas poesias!
Nham, Nham, Nham, pipoca rosnava e chacoalhava a cabeça.
- Ei! Vem cá sua cachorrinha estúpida! Devolve minhas poesias! - esbravejava Clara
- Mãe, olha a Pipoca. berrou exasperada, vendo suas folhas sendo mordidas e sujas pela
cadelinha.
Nham, Nham, Nham... Pipoca queria brincar.
- Oh! Mãeeee!
- Pipoca, já pra casa! - gritou a mãe da varanda vendo a cena e o desespero de Clara.
Obediente à mãe, a cadelinha largou tudo e sumiu por detrás da casa. Clara foi logo pegar o que restou das folhas comidas, esmagadas e sujas onde estavam suas poesias. Lamentou.
- Ah! Mãe, olha só o que ela fez... fungou, desolada, Clara. - Estragou minhas folhas. - sua face se inundou de tristeza.
A mãe resmungou algo que ela não entendeu, e entrou.
Clara foi se sentar e tristonha se pôs a tentar remendar o estrago, nada feito. Uma bagunça só. Papéis misturados e sujos de saliva e terra.
Porque minha mãe soltou essa cachorra. Que raiva! - Pensou Clara.
O sol, soberano e radiante, sentiu compaixão. Vendo a desolação da menina, se manifestou. Com raios fúlgidos afastou as nuvens escuras que tornavam frio e cinza o dia, e brilhou com seu amarelo -dourado, criando uma aura de luz e tênues tons de cor ao ambiente, até então, um tanto incolor.
No alpendre uma réstia de sol seguia a clarear e dar vida ao momento e tirar Clara do desalento. Ela observou a figura do sol, atrás das nuvens, como que um guerreiro a disputar com as nuvens o espaço celeste. Pobres nuvenzinhas! Não tinham chances para tal duelo. O guerreiro era solar e intrépido. Sumiram uma a uma, e o céu se tornou azul claro de repente. Sentia-se um calor sutil invadindo o lugarejo, arrefecendo os tons frios que o precediam. No assoalho uma sombra se formara, era simples menção da luz que ali incidira, de forma aguda e poética. Clara viu sua sombra, sentiu seu coração sem encher de alegria e seus olhos brilharam.
O sol desbravou os obstáculos à sua presença, e no rosto juvenil e belo de Clara um sorriso se iluminou.
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