O carteiro e o cachorro
O carteiro da minha rua não podia correr, pois tinha uma perna mecânica e andava com dificuldades. Eu o achava um vencedor. Entregar cartas era a coisa que mais gostava de fazer, disse-me certa vez.
A missão de um carteiro parece ser fácil, mas não é verdade. Além de entregar as cartas aquele carteiro bonzinho ouvia as lamentações das pessoas quando abriam os envelopes, enxugava as lágrimas de outras, dava conselhos às demais. Ele não sabia o motivo, porém as pessoas sempre pediam para esperar que abrissem o envelope. Talvez as pessoas tivessem medo de lerem a notícia triste, a que não queriam receber, sozinhas em suas casas de muros altos.
Um dia, o carteiro mudou de bairro e foi entregar cartas num lugarzinho de ruas enlameadas e casas de papelão. Não mudou muito a sua missão. Só que ao invés de cartas de amor, levava cartas de cobranças às pessoas que mal tinham o que comer.
Foi naquele lugarzinho de ruelas cheias de lama e esgoto a céu aberto que o carteiro encontrou um cachorro vira-lata que andava atrás dele o dia inteiro. No primeiro momento, ficou meio assustado e fugiu do cachorro devagarzinho com medo de levar uma mordida. Depois percebeu que aquele cachorro pulguento, sujo, feioso era dócil e tudo o que precisava era de um amigo. Então, o carteiro passou a levar na sua mochila junto com as cartas um saquinho de papel cheio de ração. Todas às tardes quando entrava na favela procurava pelo cachorro que parecia esperá-lo sempre no mesmo lugar, ou seja, de frente a casa de número sete, a casa do curandeiro da favela. O carteiro colocava a ração no chão e o cachorro comia todinha. Fizeram amizade. O cachorro passou a entregar as cartas e cobranças junto com o carteiro. Dizem que amizade de bicho com gente é muito verdadeira. O carteiro sentou-se, numa tarde de outono, no meio da rua para brincar com aquele cachorro que ninguém via, que ninguém queria, que ninguém ligava para ele. Era apenas mais um cachorro abandonado naquela favela onde as crianças andavam descalças, com os cabelos arrepiados e nariz escorrendo.
O carteiro nunca levou o cachorro para casa porque a sua mulher não gostava de bichos. Isso o deixava profundamente triste. E à noite quando ia dormir sonhava com o cachorro. No dia seguinte, corria para vê-lo e abraçá-lo. Porém, passados dez anos o carteiro não suportou mais subir e descer as escadarias daquele lugarzinho e foi convidado a mudar de função. Logo pensou no seu cachorro. O que faria com ele? Abandonaria o seu amigo? Cansado de tanto puxar pela sua perna mecânica o carteiro foi à favela na certeza de que no caminho Deus lhe daria uma solução. Ao chegar na favela procurou pelo cachorro em todas as ruelas e nada. Ficou sentado nuns pneus velhos de uma oficina à esperar por ele até quase à noitinha. De repente, viu um daqueles meninos descalços, de cabelos arrepiados e nariz escorrendo se aproximar dele:
- Está esperando alguém, moço?
- Estou esperando um cachorro.
- Eu conheço o cachorro que espera.
- Conhece de onde?
- Ele foi levado pela carrocinha hoje pela manhã. Acho que não vai mais voltar. Dizem que lá eles viram sabão.
O carteiro sentiu um aperto no peito. Seu cachorro virar sabão! Não era possível. Agradeceu ao menino pela informação e correu para o lugar onde ficam os animais abandonados que são pegos nas ruas. Lá chegando procurou o coordenador do local, mas infelizmente o seu cachorro não fora para lá. Ninguém sabia nada dele. Nenhuma informação. Voltou para casa com lágrimas nos olhos. Sem entender muito de sabão e carrocinhas.
Faz dez anos que o carteiro aposentou-se, mas nunca ficou um dia sequer sem ir à favela em busca do cachorro vira-lata que um dia tornou-se o seu melhor amigo. Quem sabe um dia ele volte. Era sujo demais para virar sabão.