O Dia do Soldado Desconhecido
História originalmente publicada na coletânea Era uma vez... publicado pela editora Literata.
Era uma vez um menino de sete anos chamado Aleffi. Ele gostava de explorar lugares como quintais e matas; e sempre que fazia isso, levava o seu enorme e cabeçudo gato chamado Bicho-Luca; como se fosse cão de caça. Tinha a ideia fixa de que seria um grande explorador de florestas e cidades milenares, igual ao pai; um arqueólogo. O pai do menino desaparecera no meio de uma floresta enquanto procurava objetos antigos de povos há muito desaparecidos. Aleffi era da tropa de escoteiros da região.
No outono, quando a tropa completaria cem anos de existência, foi marcada uma viagem exploratória no dia do “Soldado Desconhecido”.
– Mamãe! – Gritava ele acordando a mãe – Vem logo! – A mãe dele levantou-se sonolenta e preparou a comida. Fez uma torrada e colocou algumas frutas na mochila. Enquanto isso Aleffi vestiu o belo uniforme cinza e desceu as escadas correndo quando o ônibus da tropa parou a frente da casa. Aleffi pegou a mochila sobre a cadeira da cozinha; deu um abraço apertado na mãe e segurou o gato no colo.
– Para onde pensa que vai levar o Bicho-Luca? – Perguntou ela.
– Ora! Vou levar comigo. Ele é meu companheiro de viagem.
– Ele é um gato e não um cão. – Afirmou ela sorrindo.
– Mãe! A senhora não se lembra do que o papai dizia?
– Humm! O que ele dizia?
- Ele me deu Bicho-Luca e disse que seria meu companheiro de exploração. Os gatos podem ver inimigos e armadilhas que nós não vemos.
– Aleffi! Que inimigos?
– O Kuvera, mãe.
– Meu filho! O Kuvera é só uma invenção de seu pai para fazer você dormir.
– Os gatos podem ver o Kuvera, ele está nas sombras e aparece quando “nem é dia e nem é noite”. O papai contou as histórias para mim. – A mãe dele olhou ternamente para o menino e sua determinação; e depois olhou para o gato em seus braços; o animal era sempre muito sério e elegante e parecia olhar profundamente para ela.
– Está bem, filho. Se o Bicho-Luca pode ver o Kuvera então você leva o bichano. Além disso, todos os gatos sabem o caminho de volta para casa.
– Todo menino precisa de um gato. – Disse Aleffi abraçando a mãe e saindo em seguida.
O dia foi de muito aprendizado e aventuras para Aleffi e seus companheiros de tropa. Eles aprenderam sobre diversos animais e plantas; colheram frutas e aprenderam a fazer diversos tipos de nós; caminharam até que não pudessem dar mais um único passo de tão cansados; catalogaram pássaros das mais variadas cores e tamanhos. Aleffi e Bicho-Luca estavam sempre juntos.
Quando a tarde chegou, o chefe dos escoteiros decidiu ensinar como construir cabanas de palha para se proteger das chuvas e do frio. Grupos foram divididos para procurar cipós, palhas e folhas. O chefe deu instruções específicas para que todos fizessem o trabalho com segurança. Enquanto o chefe instruía, Aleffi levantou a mão e perguntou:
– Chefe? Eu gostaria de cumprir a minha missão tendo como companheiro Bicho-Luca.
– Humm! Um gato não é um bom companheiro para uma missão dessas. – Disse o chefe dos escoteiros.
– Bicho-Luca não é apenas um gato. É meu companheiro. – Aleffi foi enfático. E o chefe balançou a cabeça positivamente.
– Tome muito cuidado. Você pode gritar e nos chamar se algo acontecer. – Aleffi fez sinal de positivo com o polegar e saiu para sua missão. Bicho-Luca caminhou elegantemente ao seu lado.
O menino explorou a mata com seu gato. Ele encontrou animais exóticos pelo caminho. Tentou descobrir que animais passaram pelo lugar, apenas observando suas pegadas e esqueceu-se do tempo. Quando Aleffi percebeu que o sol estava muito baixo, decidiu cumprir a sua missão; e rapidamente coletou cipós, folhas e madeira para a cabana. Quando estava com tudo reunido, ele voltou pelo caminho que achava ser o correto. Já estava ficando escuro e Aleffi estava um pouco amedrontado. Ele corria entre pequenas árvores e mal a luz do sol tocava em sua pele por entre as folhas. Isso o deixou ainda mais amedrontado de modo que ele decidiu jogar fora as coisas que levava. Bicho-Luca corria ao seu lado. Aleffi viu ao longe uma clareira e aliviou um pouco a tensão. De repente quando ele saiu da mata o medo tomou conta dele novamente. O sol estava quase escondido no horizonte e ele estava completamente perdido. Não tinha a menor ideia de onde estava.
– Eu devia ter escutado o chefe. Agora estamos perdidos. – Dizia ele quase chorando.
– Tem alguém aí? – Ele gritou várias vezes e esperou, mas ninguém apareceu. Estava realmente perdido. Aleffi pensou na mãe e no pai. Imaginou que sumiria assim como aconteceu com este. Bicho-Luca começou a miar e passar entre suas pernas.
– Agora não, Bicho-Luca. Estamos perdidos. Não posso dar atenção a você agora. – Apenas uma pontinha do sol ainda estava aparecendo. Aleffi olhava em volta muito assustado até que aquela pontinha finalmente sumiu. A luminosidade não desaparecera completamente, mas era difícil enxergar – “Nem dia e nem noite”. – Disse Aleffi quase murmurando. O menino sabia agora o que significavam essas palavras.
Grunhidos, uivos, o bater de asas e outros barulhos assustadores surgiram repentinamente. Aleffi tremia de medo. Seu coração estava para sair pela boca. Olhos brilhantes caminhavam por entre as folhas escuras.
– Mamãe? – Gritava ele – Mamãe ajude-me! – Sombras assustadoras cercavam o menino. Até mesmo os olhos de Bicho-Luca brilhavam e ele parecia forte e seguro.
– Por que está tão assustado?
– Quem está aí? – Gritou Aleffi olhando em volta.
– Eu. – Aleffi continuou olhando em volta até que percebeu que a voz vinha do gato.
– Você falou comigo?
– Com certeza! – Disse o gato com altivez – O menino quase cai para trás tal foi a surpresa – Você não deveria estar choramingando. Achei que fosse um explorador como seu pai.
– E você fala? Não sabia que gatos falavam, nem que nenhum animal falava. – O gato olhava com desdém para o menino.
– Mas você falava comigo todos os dias. Imaginei que soubesse disso.
– Sim, é verdade, mas você nunca respondeu! – Disse o menino. O gato pareceu sorrir – Como vamos sair daqui? Você deve saber o caminho, não é? Todos os gatos sabem o caminho de casa. – O gato balançou a enorme cabeça positivamente.
– Mas estamos cercados. – Informou o gato.
– Como é que é? Quem está nos cercando?
– Kuvera. – Aleffi arregalou os olhos e estremeceu todo.
– Não estou vendo!
– Por isso estou aqui. – Confirmou o gato.
– E o que faremos agora?
– Corre! – Disse o gato tomando a frente. Quando Aleffi olhou para o lado, uma sombra em forma de lobo duas vezes a sua altura, com olhos vermelhos e brilhantes saltou à sua frente. O gato parou repentinamente e seus pelos ficaram enormes, parecendo uma vassoura desgrenhada e mostrou afiados dentes de gato. O monstro-lobo-sombra pareceu ter medo daquele pequeno gato para sua estatura. Aleffi lembrou-se que seu pai dissera que no reino de Kuvera eles não gostam de gatos nem da luz do dia, pois seu reino é da noite. Aleffi ganha coragem e procura em sua mochila pela lanterna de escoteiro; assim que a encontra ele aponta para o monstro; o lobo-sombra emite um uivo assustador e transformasse em diversos pequenos pássaros negros da cor da noite. O gato corre por um caminho escuro e Aleffi o segue com a lanterna em punho. Ao lado deles flutuam pássaros-sombras e olhos brilhantes, mas Aleffi não olha para o lado, apenas para Bicho-Luca a sua frente. Atrás deles garras feitas da noite aproximam-se como se os quisesse agarrar.
Depois de algum tempo correndo, Aleffi para próximo a uma cachoeira.
– Precisamos correr!
– Estou cansado. Gatos não parecem cansar, mas eu estou. – Diz o menino com as mãos escoradas nos joelhos.
– Não! Ele nos alcançou. – Quando Aleffi olha para trás Kuvera está ali parado. Ele é alto. Seu corpo parece feito de vidro, como uma garrafa cheia de fumaça preta. Seus olhos são brilhantes azuis e no meio de seu peito há um símbolo: um lobo vermelho que seu pai dissera ser o símbolo da noite. Uma capa escapa de seu pescoço e é tão grande que cobre toda a mata até onde Aleffi pode ver. O manto de escuridão aproxima-se de Aleffi e Bicho-Luca, prontos para devorá-los – Pule! – Gritou o gato. E os dois saltam para a cachoeira próxima. A queda é breve.
– O que faremos agora? – Pergunta Aleffi. Enquanto o manto negro de Kuvera desce lentamente pela cachoeira.
– Lance a luz da lanterna na cachoeira. – Grita o gato. O menino aponta a lanterna na cachoeira e a luz brilha como cabelos azuis e brilhantes. O manto de Kuvera desaparece rapidamente conforme a luz sobe pela água azul da cachoeira. Tornando o “não-dia” e a “não-noite” em um dia azul. Quando não há vestígios de Kuvera e seus soldados os dois amigos vão embora.
Quando Aleffi entra na rua de sua casa, sua mãe o avista ao longe e corre para abraçá-lo. O chefe dos escoteiros parece aliviado agora que o menino apareceu. Até o xerife veio ajudar. Todos os seus amigos estão lá em frente a casa. A mãe dele o pega no colo e o carrega para dentro de casa. Bicho-Luca o acompanha cheio de si; e quando Aleffi olha para o bichano, ele parece piscar o olho.