A SAIA FALANTE
Tatiane chegou cedo do trabalho e encontrou suas sobrinhas Duda, a mais nova e Julinha, já virando mocinha, em sua casa. A família era muito unida, o costume de netas visitarem a casa da avó e das tias era constante e não tinha horário nem dia fixo. Ao entrar em seu quarto Tatiane viu Julinha provando uma de suas saias:
- O que acha, tia?
- Acho que primeiro se pede permissão e depois se usa, né, Júlia.
- Eu sei, tia. Mas eu achei tão bonita. Queria usar pra visitar a igreja de uma amiga no domingo.
- Oxe. E vai faltar na sua igreja dia de domingo?
- Mas não é a noite. A noite eu vou estar. É que vai ter um evento com as crianças na igreja dela de manhã.
- Iiiihh. O professor da escola domincal de vocês não vai achar ruim não?
- Ai tia. Ele nem vai notar. E eu sempre vou. É só essa vez.
- Você que sabe. E o que minha saia tem a ver?
- Eu queria usar ela.
- Júlia, Júlia... você sabe quanto custou essa saia?
- Vai tia, por favor… - dizia Julinha fazendo cara de choro enquanto ria e abraçava Tatiane.
- Está bem. Mas cuidado, menina. Eu só usei uma vez e quero usa-la semana que vem na festa da Pedra.
- Da pedra?
- Não, menina. Pedra, feminino de Pedro. Pedra.
- Nossa. Que nome feio.
- Enfim, cuidado com essa saia, viu? E quero ela semana que vem sem falta. No máximo na terça.
Julinha abraçou a tia bagunçando os cabelos criando um frizz maior do que o transporte público lotado formara na volta para casa. Depois disso ficou colocando a saia em volta da cintura em frente ao espelho, falando consigo mesma e fazendo caras, bocas e poses diversas.
A saia ia um pouco abaixo dos joelhos, era florida, com estampas amarelas de flores vermelhas e com toques de lantejoulas em volta. Um babado muito bem costurado e recortado com esmero. Tatiane comprara a peça recentemente e só usara uma vez num culto de domingo a noite em sua igreja.
Julinha estava tão feliz por conseguir a façanha de fazer a tia emprestar alguma coisa, ainda mais aquela saia, a qual ela já colocara os olhos desde o primeiro dia em que Tatiane apareceu usando a peça de roupa.
No domingo pela manhã, Julinha se vestiu como se fosse para a festa mais chique que fora convidada. Andava se sacudindo toda para que a saia balançasse e as amigas notassem sua beleza.
Dias depois, numa noite de quarta-feira, Tatiane chegou do serviço cansada e foi direto para seu quarto. Se preparava para tomar um banho e desmaiar em sua cama. Enquanto separava algumas roupas notou que havia um leve espaço na pilha de roupas de sua gaveta. Percebeu que a saia ainda não fora devolvida.
- Júlia… oh menina, viu.
Na quinta-feira sentiu falta da saia. E lembrava que teria que usa-la no sábado na festa da amiga. Irritada, sem sequer trocar a roupa do trabalho, deixou sua bolsa em casa e bufando desceu as escadas do seu quarto e se dirigiu a porta. Sua mãe lhe questionou:
- Jesus, pra onde você vai assim, menina?
- Ai mãe. Eu vou pegar minha saia que está com a Júlia.
A mãe sabia que a ação sempre vinha antes do local em todas as respostas. Era hábito de Tatiane ao ser perguntada "onde trabalhava?" e respondia que era recepcionista num hospital e fazia N tarefas em tal lugar.
- Ela ainda não devolveu?
- Não, mãe. Deve ter esquecido. E eu vou sábado pro aniversário da Pedra e estou com medo da saia estar suja, e não dar tempo de secar nesses dias.
- Pera. Festa de quem?
- Da Pedra. A filha do irmão Valdecir.
- O nome do irmão é Valdecir? Parece nome de mulh…
- É mãe. Estou indo lá, tá.
- Tatiane, não vai arranjar briga por conta de uma saia, filha. Lembra que você tem outras.
- Eu sei, mãe. Mas acontece que aquela eu só usei uma vez.
- Ah. É aquela saia amarela lá cheia de…
- Essa mesma, mãe.
- E você sai emprestando as coisas que comprou a pouco tempo, Tati? Onde já se viu comprar alguma coisa e já emprestar para os outros?
- Ai. Nem me fala, mãe.
- Bom… pelo menos Júlia já é grandinha. Só deve ter esquecido mesmo.
- Tá bem. Eu vou lá, mãe. Já volto.
Tatiane saiu pisando pesado. Ao chegar na casa de sua sobrinha, sua irmã Janiely atendeu e abriu a porta. De fora podia ouvir o som do louvor que tocava naquela casa. Passava o CD da banda Toque no Altar justamente no trecho:
"RESTITUI… EU QUERO DE VOLTA O QUE É MEU…"
Tatiane entrou na casa. Encontrou Julinha ainda vestida com a saia em frente ao espelho.
- Me devolver que é bom nada, né, bonita?
- Ah... oi… oi tia.
- Oi nada. Eu não disse que era para trazer até terça, Júlia? Hoje já é quinta.
- Mas tia, eu preciso ficar com essa saia.
- Precisa o que, menina. A saia é minha. Eu que comprei. Anda! Tira ela e me devolve que tenho que pôr pra lavar ainda.
- Mas tia, ela gosta de mim.
- Ela quem, Júlia?
- A saia!
- Anda, Júlia. Eu cheguei do serviço cansada e tenho que dormir cedo. Tira logo.
- Tia, eu não posso devolver. Ela ficou mais bonita no meu corpo.
- E essa agora. Além de tomar minha saia é desaforada.
- É verdade. Todo mundo gostou de me ver com ela na festa. Eu ia te devolver a saia na terça mesmo, mas eu vesti ela mais uma vez antes de me despedir, e perguntei igual aquele filme da Rapunzel No País Dos Sete Anões.
- O que???
- Ai, eu não sei. Aí eu perguntei na frente do espelho: Espelho, espelho meu. Existe alguém mais bonita do que eu?
- Tá. E aí? Vai me dizer que o espelho respondeu e você sorriu? Cagona do jeito que você é...
- Não. Escuta. Então... eu ouvi alguém dizer:
"VOCÊ FICOU LINDA, SABIA? A MENINA MAIS LINDA DO MUNDO?"
- Ai Júlia. Quem disse isso? O fantasma da picaretagem?
- A saia.
- Que saia, sua doida?
- A saia que você me emprestou.
- Ah tá. Agora a saia fala.
- É sério, tia. Tô falando...
- Ai Júlia - Tatiane ria um riso leve abaixando a cabeça. - Tá. E depois?
- Aí… eu comecei a conversar com a saia. E ela gostou de mim.
- Humm… sei…
- Verdade. Então eu falei pra ela:
"Quem é a saia mais bonita do mundo?"
E ela respondeu: "EU".
Então perguntei de quem ela gostava mais. E ela disse:
"Quem me amar".
Ai tia. Eu achei tão fofinha. Eu preciso ficar ela.
- Júlia, você está ficando doida. Deu pra conversar com a saia e ela responde. Quem colocou na sua cabeça esse negócio de que saia fala?
- É sério tia. E desde então a gente sempre conversa. Ela fala que me ama, que se sente feliz quando eu visto ela e fico bonita. Ela diz que muita gente queria ter uma saia dessa, mas pouca gente ama ela.
- E você ama essa saia?
- Lógico que amo! Amo demais - Julinha dizia isso sacudindo a saia para frente e para trás.
- Júlia, você lavou essa saia? Eu preciso usa-la no sábado.
- Não, tia. Estou com dó de pôr ela na máquina. Ela diz que gosta de combinar com sapatilhas cor de…
- Julia, me devolve a saia. Deixa de graça.
- Tia, não posso. Me deixa ficar com ela, por favor...
- Júlia, mas a saia é minha! - Tatiane começava a subir o tom de voz e falar com os olhos quase saltando para fora da órbita.
- Mas tia, ela disse que fiquei linda. Ela quer ficar comigo…
- Julia…
- Eu peço pra minha mãe te comprar outra.
- Júlia, então pede pra sua mãe comprar a mesma. Tinha um monte na loja.
- Tiaaaaaa… - dizia fazendo voz manhosa como um bebê.
- Júlia eu tô ficando sem paciência.
- Mas eu e a saia somos amigas agora. Você ficaria feliz se perdesse sua amiga pra sempre?
- JÚLIA, TIRA LOGO ESSA SAIA E ME DEVOLVE!
Nesse momento a mãe de Julinha e irmã de Tatiane, Janiely, surgiu no quarto onde as duas estavam e interferiu:
- Meu Deus. O que tá acontecendo aqui?
- Jani, sua filha pegou minha saia e não quer me devolver. Sábado eu tenho a festa da Pedra e ia usa-la.
- Festa de quem?
- Ai. Esquece. Manda a Julia devolver a saia.
- Menina, eu falei com ela e ia passar na sua casa para devolver, só que a Júlia ficou dizendo que conversava com a saia. Essa menina até queria dormir com a saia, mas não deixei. Ela chega da escola e fica na frente do espelho falando sozinha e sorrindo.
- Jani, e por que você não tomou a saia da sua filha e me devolveu, poxa? Sabe que é minha.
- Tá, filha. Calma lá. Mas a Júlia não me disse que você deixou com ela até terça-feira. Além do mais ela chegou pra mim e disse que a saia achou ela linda, que queria uma mamãe pra cuidar dela, e que a Júlia tinha que ama-la. Eu achei foi graça, mas não sabia que você emprestou pra ela devolver na terça.
Janiely olhou para a filha com olhos flamejantes. Julinha conhecia esse olhar… percursor de muitas surras:
- Ah manhêêê… mas ela falou que fiquei linda…
- Júlia, tira isso agora se não eu tiro na cinta - Janiely falou enérgica.
Enquanto Julinha tirava a saia, suas lágrimas brotaram e ela se despedia da peça de roupa, abraçando e beijando:
- Eu te amo, viu. Não fica triste não. Você é minha melhor amiga.
Tatiane amoleceu e disse:
- Tá. Fica por mais uma noite.
- Sério? - Julinha esboçou um sorriso de ponta à ponta.
- Sim. Mas amanhã me devolve ela sem falta e lavada viu?
- Tá bom, tia. - e deu um beijo na bochecha de Tatiane quase derubando-a no chão.
Janiely e Tatiane se entreolharam.
- Eu já ouvi todo o tipo de desculpa pra ficar com uma roupa, agora dizer que a saia fala… essa foi boa. Daria uma boa história, né Tati?
- Criança tem uma imaginação que vou te falar…
- Amanhã eu te levo a saia, tá. Fica tranquila. Quando a Julinha acordar ela vai pra escola e eu coloco na máquina pra lavar e centrifugar. Seca mais rápido.
- Ai, obrigado, Jani. Agora tô indo porque preciso dormir.
Julinha ficou falando com a saia abraçada em sua cama:
- Eu te amo, viu. Você é a saia mais linda do mundo, tá bom?
Tendo dito isso vestiu-a novamente. Fez pose no espelho e segundos depois deu um salto:
- Ouviu, mãe - dizia falando com Janiely - a saia disse que eu fiquei linda! Ela falou! Ela falou!
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Na sexta-feira à noite a saia estava lavada, passada e entregue a Tatiane. Sábado, quase na hora da festa, ela se arrumava para o aniversário de Pedra. Vestiu a saia, se maquiou, após se produzir toda, ouviu suas amigas chamando-a na porta de casa.
- Já vou, meninas! - respondeu-as da janela do seu quarto.
Antes de sair, se olhou no espelho mais uma vez, passou a mão pela saia, e após ter certeza de que estava sozinha no quarto, fez uma pose e disse com voz manhosa:
"Quem é a saia mais bonita do mundo? Quem é? É a saia da mamãe Tati que ama muito, não é?"
E saiu do quarto com um enorme sorriso no rosto, como se a saia a tivesse respondido.
Fim.
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Essa história foi idéia das minhas amigas e irmãs em Cristo Daniele e Thassyane. Muito obrigado pela idéia. Ri demais escrevendo kkkkk.