RASPANDO E ARRANACANDO DE FOME 
 
       Era uma vez na roça do meu avô João Pedro e da minha vovozinha Adelaide. Tinha um casal de agricultores muito pobrezinho: seu José e a dona Maria, além dos filhos Juliano de dez anos e Jacó com 12 anos de idade.

       Era de praxe, habitual, corriqueiro e comum que as pessoas da fazenda quando faltava alguma coisa em casa? Por exemplo: óleo de comida, pó de café ou açúcar? Pedir emprestado um pouco ao vizinho mais próximo. Era como se fazia: uma mão lavada lava a outra e as duas lavam ao rosto. As pessoas viviam se ajudando umas as outras. Até casa de taipa de barro se construía em regime de mutirão. Pois bem. Seu José era um sujeito muito esperto e a dona Maria muito viva, por sinal. Os dois criaram uma lábia muito boa para pedir emprestado varias vezes e não levantar suspeitas do seu engodo.

        Certa vez quando faltou farinha para engrossar o caldo do feijão? Dona Maria chamou Jacó e lhe disse:
        - Menino, vá á casa do meu vizinho João Pedro e de dona Adelaide e peça um pouco de farinha emprestado. Ao chegar lá diga assim:
        - Dona Adelaide, minha mãe mandou lhe dizer que lhe emprestasse dois litros de farinha, pois a minha mãe ta raspando e o meu pai ta arrancando. Concedido, disse a minha vovozinha Adelaide.
 
        Quando se passou uma semana novamente o menino agora mais solto volta e pede mais dois litros de farinha. E sempre com a mesma ladainha:
        - Minha mãe mandou lhe dizer que quer emprestado mais dois litros de farinha, pois meu pai ta arrancando e a minha mãe ta raspando. Disse dona Adelaide:
        - Meu marido João pegue, por favor, dois litros de farinha e entregue ao menino Jacó, filho do vizinho seu José. Seu João prontamente lhe atendeu. O Jacó foi pra casa muito satisfeito.
        Quando se passou menos de um mês? Chega de novo pela terceira vez o menino com a mesma estorinha:
     - Minha mãe mandou lhe dizer que lhe emprestasse mais dois litros de farinha, porque o meu pai ta arrancando e a minha mãe ta raspando.
 
        A dona Adelaide passou a desconfiar da mutreta e perguntou ao menino:
        - Jacó: essa farinha que o seu pai e a sua mãe andam fazendo é de rosca? Cadê essa farinha que nunca torra? Quer me explicar essa estória direito?
        Jacó, meio tímido vendo que a vizinha descobriu a farsa lhe explicou:
        - Dona Adelaide: na verdade quando eu falo que o meu pai ta arrancando? Eu me refiro “arrancando de fome” e não arrancando mandioca. E a minha mãe ta raspando? É “raspando o fundo da lata” pra pegar o resto do pó de farinha e não raspando mandioca!  


Do Livro: CONTOS DE BICHOS
                PARA CRIANÇAS 
           
 Poeta BIRCK JUNIOR