Brincadeira de criança

Por alguma razão que, decididamente não era da minha conta, meu pai havia se casado com uma viúva, e ela tinha um filho pequeno, um ou dois anos mais novo do que eu. Certo dia, mãe e filho foram até a nossa casa, onde eu vivia com meu pai e meu irmão caçula, Nobunori.

- Preciso conversar com minha esposa, - nos disse papai - levem o Ushiwakamaru para brincar lá fora.

Ah, então este era o nome do nosso meio-irmão... ou não devíamos considerá-lo como irmão, já que não era filho do nosso pai?

- Venha, Ushiwakamaru - convidei-o. - Vamos jogar otedama.

Ele nos seguiu, mas ao chegar no jardim, mudou de ideia.

- Otedama é jogo de menina - declarou, muito sério.

- Do que você quer brincar, Ushiwakamaru? Não temos idade para jogar kemari - ponderei.

- Você não poderia jogar kemari, porque é menina - informou Ushiwakamaru, braços cruzados.

Olhei para Nobunori, em busca de socorro.

- Você está com medo de perder para a Kyoshi? - Inquiriu meu irmão.

Ushiwakamaru abanou negativamente a cabeça.

- Não é isso! Se o jogo é de menina, claro que ela deve ser melhor nele do que eu ou você. Escolha algum jogo de menino e lhe mostro se sou ou não melhor do que ela!

Era um desafio. Nobunori sorriu.

- Você é bom em recitar os clássicos chineses, Ushiwakamaru?

- O que é que têm os clássicos chineses? Meninas não estudam chinês! - Exclamou o garoto, irritado.

- A minha irmã conhece mais literatura chinesa do que eu - afirmou Nobunori calmamente.

- Isso não é possível... - murmurou Ushiwakamaru, olhando em torno como que à procura de uma saída. - E a mãe de vocês deixou que ela estudasse?

- A nossa mãe morreu quando éramos muito pequenos - comentei. - Por isso não vivemos com ela, mas com o nosso pai.

- E a Kyoshi espia as minhas lições de chinês. Acabou aprendendo mais do que eu - admitiu Nobunori.

Como Ushiwakamaru permanecesse mudo, ele indagou:

- E então? Vamos nos fazer de adultos e declamar poesia chinesa clássica?

Ushiwakamaru preferiu jogar otedama.

- [04-12-2019]