DEUSA PROTETORA DOS GATOS
Vou ficar aqui fora, deitadinho neste canto de muro. Daqui, enquanto escovo meus pelos com umas boas lambidas, fico a observar esses deliciosos passarinhos e outros bichinhos inocentemente circulando por aí. Nossa! Só de pensar nisso meu estômago está a me lembrar daqueles pedaços de frango, daquela tigela cheia daqueles macios pedacinhos tão deliciosos, hummmmm... xô pensamento, não é para isto que estou aqui bem posicionado, e quer saber mais? trocaria tudo isto pelo que está no meu pensamento neste exato momento...
Tudo sossegado... silêncio profundo... devo ficar assim também. Continuo o pentear-me, quero estar bem na fita quando for visto. Mas confesso, não vou conseguir dormir, essa impaciência, hoje, está demais!
Quando eu ouvir o barulhinho dos delicados passos dentro da casa, o estalido da chave da fechadura abrindo a porta (Deus meu!). Verei aquela imagem aparecer (seria a Protetora dos Gatos? Para mim é.) e dela o maravilhoso som que dela sai: “Oi, Boy”! chegando a mim com uma sonoridade tão maviosa... não sei a tradução no meu “gatês”, mas tão suave que eu só sei é que devo responder - e faço – no meu melhor ronronar e o meu melhor bailar.
Não pode ser diferente... e não posso esquecer: devo levantar a cabeça, fitá-la, levantar-me e esticar, reta, para cima, a cauda... cumprimento-a em resposta à sua bela fala com meu macio e respeitoso “miauês”. É assim que a devo saudar. E não vou esquecer.
Tem um gesto e uma fala vinda dela que são extraordinariamente belos e adoráveis para mim, e eu me esmero o tempo todo nas minhas práticas das maneiras de a recepcionar e saudá-la, com a esperança de não cometer erros e não os perder (miau! me eriço todo, só de pensar). Ela se abaixa (e aí eu, como humilde protegido, já exclui o pensamento de que é uma saudação a mim, mais um símbolo de grandiosidade. Ela se faz menor para chegar à minha pequenez.), estende as duas mãos e como se cantasse diz: “vem cá, menino lindo... vem, entra, Boy!”
Lembro-me da primeira vez. Naquele dia, como hoje, o meu “gatês” sôfrego não conseguia compreendê-la. Aflito, não sabia o que fazer diante de tão belos gestos e da música que saía vindo dela. Fiquei estático... não sabia o que fazer. Se me levantava, se olhava nos olhos bela dela ou se baixava os meus, pois não sabia qual seria o respeitoso; não sabia o que fazer com minha cauda. Só me lembro, no milésimo de segundo que olhei nela, vi que ela estava reta para cima e com a ponta ligeiramente curvada. “Ufa”! foi um alívio. Pelo menos este é o sinal de que algo extraordinariamente bom me chamava a atenção. E que aparição!
Mas o que mais fazer? Como me fazer entender? Sufoco dos grandes!
Os dias se passaram e eu tive que aguçar cada vez mais, e com muita atenção, todos os meus modos para adaptar minha performance diante de tão bela criatura.
Notei que quando sua aparição se fazia naquela porta, e após minha saudação, ela repetia com perfeição seus sinais e voz. Certo dia arrisquei acrescentar mais um passo no meu respeitoso diálogo com ela: segui em direção a porta aberta, passei o mais perto que pude da perna dela (que medo que me deu de estar sendo desrespeitoso e profanador!) e meus pelos roçaram sua pele... ufa! nada pareceu errado. Entrei. Surpreso vi que ela fechou a porta, dirigiu-se ao seu (que me pareceu) trono e descansou os pés num macio e belo colorido tapete. Hesitei... Olhei à distância e, devagarinho, fui chegando mansamente e me deitei junto aos pés dela e a fitei. Ela não olhou, mas os dedos dos seus pés se levantaram e vieram em direção à minha cabeça, chegaram por baixo e fizeram um suave movimento de carinho a coçar meu pescoço.
Foi ali que que me chegou toda compreensão: Ela era, verdadeiramente, a Deusa Protetora dos Gatos.
 
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Ismeraldo Pereira
Enviado por Ismeraldo Pereira em 27/11/2019
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