NEGRITUDE, UM AMOR DE CAVALO
Houve um tempo em que os bichos falavam... Na verdade, nem todos eram capazes de compreender a linguagem dos animais, porém o garoto Nonato da Silva entendia perfeitamente tudo o que eles diziam; ele conseguia se relacionar com os animais e compreendia os sentimentos de cada um.
Nonatinho dos cavalos, assim era conhecido naquela região, menino inteligente de bem com a vida, um Ser Humano puro de alma e coração, ele era um faz tudo na Fazenda Primavera, localizada no interior de Pernambuco. O garoto era filho de um dos empregados da propriedade e morava com seu pai, por lá mesmo, em uma pequena casinha cedida pelos patrões, pois sua mãe havia morrido quando ele ainda era pequenino. Ele, habitualmente, realizava seus ofícios com rapidez, somente para ficar junto de quem muito amava, de Negritude, um cavalo premiado pela beleza da sua crina negra (pelagem do alto da cabeça, pescoço e cauda), a beleza era tanta que chegava a dar inveja aos humanos. Negritude era um animal pacato, um companheiro inseparável de Nonatinho que amava escová-lo, sempre com muito zelo. Ele passava suas horas livres, no estábulo, penteando a crina do amigo, deixando-a livre dos doloridos nós. Nonatinho tinha um sonho, queria que Negritude fosse livre, por um dia, para poder correr pelas campinas e banha-se no rio São Francisco.
Certo dia, Nonatinho ficou sabendo que o dono de Negritude iria viajar a trabalho, o patrão da fazenda. Ele correu até o estábulo para contar a novidade para seu amigo, e planejar um dia de lazer com ele. O sol já lançava raios laranja-avermelhados quando o garoto adentra no local gritando:
- Negritude, meu amigo, tenho uma novidade pra você! O patrão vai viajar amanhã, logo cedinho, portanto vamos aproveitar para um longo passeio matinal e realizar meu sonho de vê-lo correndo livremente.
- Nonatinho, fale devagar, por favor! Estou muito feliz, nosso sonho, pois quero correr e sentir a brisa acariciar o meu rosto! Exclamou Negritude.
- E amanhã nosso sonho será realizado! Quando o patrão viajar, aproveito para abrir a velha cancela e, a liberdade será nossa companheira. Assim, pela primeira vez, vamos ultrapassar os limites da Fazenda Primavera.
Nonatinho escovou seu amigo, colocou feno novinho para ele, trocou sua água e deixou o local limpinho. Depois, ele saiu para realizar os outros ofícios diários... Enquanto isso, Negritude ficou pensativo, sonhando acordado, esperando o grande momento... O tempo passou rápido, a Lua adormeceu e o Sol pediu licença para resplandecer no horizonte...
Nonatinho acordou ao alvorecer, quando o sol começou a mostrar seus raios alaranjados por trás dos montes; ele tomou seu banho no terreiro, onde podia contemplar o esvoaçar das borboletas sobre as flores e escutar o gorjear das aves que partiam em migração e depois, saiu correndo em busca da realização de um antigo sonho.
- Bom dia, amigo Negritude! O patrão já cruzou o portão principal, vamos aproveitar para realizar os nossos sonhos, antes que papai me chame para o desjejum matinal. Disse-lhe o garoto.
- Bom dia, Nonatinho! Vamos sim, já estamos atrasados.
O garoto montou no lombo do animal e os dois cruzaram à porteira. Negritude parecia sorrir; ao passar pela mata, Nonatinho sentiu o inebriante aroma das flores silvestres e percebeu que Negritude suspirava de tanta felicidade. O menino pediu que o amigo parasse de correr, que ele queria descer e deixar Negritude livre dos arreios. De repente, Negritude ficou inerte com o seu olhar perdido na imensidão do tempo, o garoto aproveitou e desceu do animal, deixando seu amigo em total liberdade... O cavalo andou um pouco e parou próximo à beira do rio, ficou lá entre sonhos e meditações. Imediatamente, Nonatinho pensou consigo mesmo: “Negritude é um amor de cavalo, ele nasceu livre e tem direito de viver em liberdade”. O garoto corria na direção de Negritude quando viu uma magnífica égua branca, com a cauda e crina claras, se aproximando; ele recuou um pouco e deixou que, Negritude e Branca se apresentassem. Os cavalos sentiram-se livres, correram pelas campinas, banharam-se no rio, descansaram sobre a proteção da floresta e dormiram na relva verdejante. Isso sim, é o que chamamos de Liberdade! Nonatinho, não tinha mais dúvida: Negritude, agora tinha uma nova família... Ele se aproximou devagar e quebrou o silêncio:
- Negritude, meu amigo, eu preciso voltar para minha casa, mas você pode ficar, pois aqui é o seu lugar! Deixarei a porteira sempre aberta para quando você quiser entrar.
- Nonatinho, meu amigo, eu realizei o meu sonho e serei grato pelo resto da minha vida. Que o patrão te perdoe por isso! Exclamou Negritude.
- Não se preocupe! Que o patrão nunca saberá do nosso segredo. Deixa-o pensar que você, apenas, sumiu... Desapareceu. Correu para ser feliz!
O garoto disparou sem nem olhar para trás, ele tinha convicção da sua decisão. Negritude estava livre e com uma nova amiga... Nonatinho cruzou à cancela e deixou-a aberta e se dirigiu à casa principal. De repente, ouviu a voz grave de seu pai que dizia:
- Filho, estava te procurando! Ande depressa, seu prato já está feito. Meu Deus, alguém deixou a porteira aberta!
O garoto mudou de caminho e foi para casa almoçar. Nem tomou conhecimento dos gritos de seu pai.
Os dias se passaram e as estações do ano também... Negritude caiu no esquecimento dos empregados e patrão, mas jamais foi esquecido pelo seu amigo de coração. E todos foram felizes para sempre!
Assim, foi o Conto de Negritude, um amor de cavalo. Até a próxima pessoal!
Elisabete Leite – 13\06\2019