O guarda-chuva e o coração de Clarice
Embaixo de um guarda-chuva existem pessoas que não querem se molhar. Eles temem sentir frio, perderem a maciez do cabelo ou ficarem ensopadas.
Fogem da chuva parecendo que vão derreter se a água do céu tocar o dorso de suas mãos.
Usam, por isso, um guarda-chuva qualquer que os guarda do medo de serem atingidos. E, entre tantos guarda-chuvas, há apenas um que guarda o coração.
Com um guarda-chuva amarelo, a pequena Clarice parecia entender que eles serviam para proteger. Ela usava um sempre que o tempo anunciava tempestades. Como caminhava bastante, ela precisava sempre ter algum guarda-chuva na bolsa.
E era sempre assim. Apesar das galochas, vestido laranja e bolsa a prova de chuva, o seu guarda-chuva a protegia quando fosse necessário.
Certo dia, caminhando pela calçada e quase chegando em sua casa, um homem muito bondoso quis ajudar Clarice a segurar o guarda-chuva. A pequena notou que o homem usava roupas diferentes e seu cabelo era tão grande quanto a sua barba. Ele usava sandálias e seus dedos do pé já estavam molhados.
Clarice se sentiu intrigada. Por que o homem não usava galochas como ela? Após ter aceitado a ajuda dele, ela percebeu que não nem mesmo a sua bolsa molhava com a chuva e a ponta de sua galocha estava sequinha outa vez. Tudo porque o homem que a ajudava era alto e segurar o guarda-chuva em uma altura elevada fazia Clarice ficar seca e confortável.
O homem ainda permanecia andando ao seu lado. Caminhava no ritmo igual ao de Clarice e respondia as perguntas da pequena menina curiosa. Seus dedos do pé ainda permaneciam molhados, mas ele por nenhuma vez reclamou.
Foi então que o homem começou a falar sobre a chuva e como ela era importante. Alguns odiavam pensar nela. Outros tinham medo dela. Porém, vários queriam sempre ver a chuva e, se possível, sentir o toque da água que cai e bate no rosto quente. Para alguns a chuva era necessária.
Clarice pensou, então, que o guarda-chuva impedia as pessoas de serem tocadas pela água e, no mesmo instante, o homem percebeu a confusão dos pensamentos de Clarice sobre ficar ou não molhada, usar ou não um guarda-chuva, temer ou não a chuva. Foi por isso que ele resolveu explicar que o guarda-chuva certo nunca impediria alguém de se molhar com a chuva, caso a pessoa quisesse.
Chegaram na casa de Clarice e ela lhe agradeceu a generosidade e ajuda, afinal, ela estava sequinha. O homem sorriu, abaixou o seu corpo e se posicionou bem na frente de Clarice.
Lhe perguntou se gostaria de se molhar com a chuva verdadeira e que não machuca. Ela quis experimentar e nesse mesmo instante seu coração pareceu transbordar um amor puro e imensurável.
Ela se despediu do homem, mas antes que ele virasse a esquina e desaparecesse por completo, Clarice lembrou das sandálias do bom homem e indagou: “Por acaso você não se importa que seus dedos do pé fiquem molhados a todo momento por causa da chuva?”.
E o homem sorrindo e olhando para ela, bem no fundo dos olhos de Clarice, lhe respondeu: “Desde que meu coração esteja protegido pelo guarda-chuva certo, meus dedos do pé poderão ficar molhados”.
Clarice sorriu agradecida pela resposta e resolveu entrar em sua casa, mas antes tirou as galochas laranjas e fechou o seu guarda-chuva, deixando encostado na porta da frente da entrada principal da casa.
O mesmo guarda-chuva que a protegia do frio e da chuva, mas não aquele que protegeria o seu coração.