Voa passarinho!
Não existia homem mais forte, sábio e bondoso do que o pai. Pai era o nome que a menininha usava quando precisava daquele homem forte. Quando precisava que alguém a carregasse depois do longo dia andando, depois de muito correr e brincar.
Pai era um nome bem comum, porque a menininha ouvia seus amigos também chamarem outros homens fortes e bondosos através da palavra pai. Não era difícil acreditar que o nome pai era tão comum e amado por muitas menininhas. E naquelas figuras fortes e grandes existia coragem e uma incrível capacidade de nunca desistir. Lutavam por sonhos que não mais eram deles e sim das menininhas. Meninas, suas filhas, que eram seus maiores tesouros e por quem sentiam o dever de lutar até quando não mais conseguiam, tudo para fazer o possível por aqueles corações tão pequenos.
E a menina e o pai viviam juntos. Na casinha onde moravam não existia muitos móveis, cortinas ou porcelana cara. Havia vários brinquedos pela sala, vários livros com histórias que preenchiam as horas quando a noite chegava na naquela casa. Pai e menininha viviam juntos e para sempre poderia ter sido assim. Quando saiam para caminhar no parque, na rua ou quando sentavam na calçada para ver os carros passarem enquanto tomavam sorvete, em todos os momentos estavam juntos. Estavam sentados um do lado do outro e não esperavam que o tempo passasse tão rápido, fosse tão cruel com todos aqueles momentos de amor.
E o pai, enquanto olhava os pássaros voando dizia “voa, passarinho”. A menininha achava engraçado. Ela queria imitar o pai, então, dizia o mesmo. E em todas as tardes que estiveram sentados na calçada, eles diziam juntos “Voa, passarinho”. E após tantos passarinhos voarem diante deles, o tempo passou e trouxe mudanças. A menina cresceu, estudou, conquistou sonhos e seu pai permanecia esperando-a todos os dias, apenas desejando que aquela menina fosse feliz e tivesse o coração cheio de alegria. Queria proteger ela do mau, do frio e fazer com que as pessoas gentilmente abrissem o caminho para a menina poder caminhar. Mas, o pai sabia que nem sempre seria assim.
E enquanto os dias passavam e os cabelos brancos do pai surgiam e sua força se despedia daquele corpo forte, a menina ficava alta, forte e bondosa. E quando os últimos suspiros do pai começavam a aparecer entre eles, anunciando a hora da partida, a menininha chorava como se fosse criança, como se tivesse se machucado. O pai, que já falava com dificuldade e cujo coração era debilitado agora, disse com o sorriso que sempre foi força e bondade: “Voa, passarinho”. Antes de perceber, o passarinho já havia voado. Sua menininha já estava casada, com sonhos, com vontade de sempre lutar e ser boa pessoa.
Os pais dizem “voa, passarinho” e sem perceberem os filhos voam sem medo de voltarem a ter um dia o colo do pai que tanto lutou por aqueles pares de olhos miúdos e que agora usam óculos no trabalho. O pai disse “voa” querendo que o tempo nunca passasse, mas sabe da importância de um bom voo e sabe que sem isso seu filho nunca iria ser o forte e bondoso homem que o pai gostaria de ver amadurecendo.
Pais dizem “voa” com o coração apertado, mas sabem da importância desse momento. Dizem “vá em frente”, mas sabem da dor da despedida. E quando a vida de nossos pais chega quase no último instante, percebemos que voamos, que cumprimos com a tarefa e com o que sempre ouvimos de nossos pais. Nós voamos, quando tudo o que queremos agora é estar para sempre sentados na calçada vendo os carros passarem bem a nossa frente e com a companhia deles, de nossos pais.