Motorista lobisomem

João era um motorista que transportava alunos da zona rural da cidade para estudarem no município. Todos os dias de aula, de segunda à sexta-feira, lá ia ele, todo cheio de entusiasmo guindo o ônibus, que ponto a ponto entravam e desciam alunos, como era de costume.

No período da quaresma, um dos meninos lhe disse:

- Sr. João. É verdade que existe lobisomem e ele aparece no período da quaresma?

- Sim, Geovane. O lobisomem existe. Ele sempre aparece na quaresma. Conta-se que ele gosta muito de morder em meninos que não gostam de aula, que faltam muito, que brigam com outros coleguinhas, que atrasam no ponto do ônibus e fazem hora no caminho.

- E mais. Ele é uma pessoa de cabelos grandes, quando ser humano. Quando ele se transforma em lobisomem, ele começa a tremer todo o corpo. Começa a cantar, franje a testa, bate palmas. Quando humano, ele é uma pessoa muito magra, de cabelos longos, usa óculos escuros e gosta muito de brincar com as crianças.

Bastante assustado, Geovane foi saindo devagar e muito aturdido, ele foi sentar no lugar, lá no fundo, contando para os outros que estavam ao lado.

Passaram-se os dias e logo veio o carnaval. A semana foi curta para os alunos. Muitos não foram às aulas e na semana seguinte seria a aplicação de provas nas escolas.

Uma, duas e na terceira semana João adoeceu e não pode dirigir o ônibus na linha. O chefe de transporte escalou um dos outros motoristas. No primeiro dia foi o Manoel, mas não se adaptou com os alunos. Ele os xingava o tempo todo. Assim que terminou, disse ao encarregado que não voltaria mais. Pedro e Júlio foram os outros dias, porém não acertaram com as crianças e diziam que elas faziam muito barulho: gritavam, pulavam, dançavam e falavam nomes feios. Não restou ao encarregado em convocar o Miguel. Este, muito magro, de cabelos longos e loiros, usava óculos escuros, tinha o hábito de mexer com os ombros no tempo todo, de cantar quando dirigia e era muito comunicativo. Gostava de contar piadas e estórias para quem estivesse por perto.

Sabendo Miguel que a turminha era difícil de engolir, disse que daria conta do recado. Na semana seguinte o João retornaria da licença saúde e tudo estaria resolvido.

Em uma sexta-feira, já de madrugada, pela primeira vez, Miguel ligou o ônibus e saiu à procura dos alunos. Ele percorreria cerca de cinquenta quilômetros entre pontos e zonas rurais para trazer os alunos para a escola, na cidade. O tempo ia passando. O sol ia saindo com muita vontade. Ele não ousou colar seus óculos de sol. Sentia-se à vontade. De um ponto a outro, Miguel parava e os alunos iam subindo gradativamente até chegar no ponto onde Geovane subiria.

- Bom dia, Sr. Motorista. Dizia alegre Geovane, porém sua alegria foi desmoronando quando reconheceu a figura sinistra que se sentava ao volante: Muito magro, balançava os ombros constantemente, de cabelos longos e loiros, usando óculos escuros, cantando e dançando, mesmo sentando, ouvindo uma música de rock.

Geovane olhou e nem respondeu ao cumprimento do motorista. Deu uma pequena corridinha até o final do corredor do ônibus. Sentou-se e disse em voz baixa aos que estavam perto dele:

- É aquele cara que o Sr. João disse que vira lobisomem. Ele tem as mesmas características. Se ele gritar e começar a rosnar, é sinal de que está virando lobisomem. Se vier para o nosso lado, teremos que dar uma surra nele com nossos materiais e mochilas. Está certo?

- Sim, concordaram todos os que estavam no ônibus.

Miguel ficou surpreso com o silêncio que reinava dentro do ônibus. Não tinha sequer um barulho. Todos estavam em silêncio profundo. Não dormiam, nem mesmo tiravam os olhos de quaisquer movimentos do motorista. Os olhos deles não se fechavam e sim estavam atentos a algum movimento dele.

Em uma determinada curva, o ônibus deu uma falhada no motor, chegando a quase parar.

Miguel enfureceu e começou a dizer, em voz alta:

- Que ônibus ruim. Está uma merda. Parece que o motor está fundindo.

Mesmo com raiva, Miguel xingava, falava nomes feios e cantava ao mesmo tempo. De tanta raiva, começava a rosnar e gritava.

Desceu para ver o motor do ônibus e ao mesmo tempo subiu, caminhando para o lado das crianças, bastante furioso, para dizer-lhes que o ônibus havia quebrado e não tinha jeito de seguirem a viagem.

Não deu outra. Assim que abriu a boca para falar, foi surpreendido com mochilas que voavam em sua direção, chutes das crianças, blusas, socos, enfim, foi atacado e não lhe restou outra alternativa a não ser sair correndo do ônibus. As crianças, em coro diziam:

- Fora lobisomem, fora lobisomem. Você não vai morder na gente não.

- Algumas crianças desceram. Munidas de pedras, começaram a atirá-las sobre Miguel, que não viu outra alternativa a não ser correr e ouvindo o coral das crianças dizerem:

- Fora bicho mau. Fora coisa ruim. Fora lobisomem.

Após correr por uma boa distância, Miguel encontra com o carro oficial da prefeitura, sendo dirigido pelo prefeito e a seu lado estava João, que voltava de carona da fazenda de seu irmão. Miguel contou-lhes o que aconteceu. Os mecânicos vieram consertar o ônibus e outro ônibus, já dirigido por João, prestou socorro aos alunos.

Miguel pediu para ser transferido para a função de motorista, mas no departamento de saúde e nunca mais disse e quis falar o incidente com os alunos. Foi apelidado por: “Motorista Lobisomem”.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 24/02/2019
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