1104-FICAR PARA SEMPRE COM JESUS - Série da Vovó Bia

Ao se mudar da Fazenda Palmital para a cidade, para a casa de seu irmão Francisco, Vovó Bia jamais imaginara que tanta transformação ocorreria na sua vida. A casa era enorme, com duas salas e muitos quartos, em um dos quais ela ficou confortavelmente instalada.

Faziam parte de seus pertences os livros, velhos almanaques e revistas, seu tesouro pessoal, que foram colocados uma delicada estante de madeira feita pelo genro, hábil marceneiro. Gostava muito de ler e de contar, na sua linguagem simples e agradável, as histórias lidas nos velhos livros de capa dura e cor escura. Os netos adoravam as contações de histórias.

Ao saber do prazer de ler que Vovó Bia usufruía, uma das vizinhas, dona Araci, professora do Colégio Santa Dorotéia, passou a trazer livros e mais livros para a curiosa velhinha ler. Não passou muito tempo e as duas conversavam sobre os livros, sobre os personagens, os enredos e até sobre os autores.

— Não sabia que havia escritores russos tão bons. Esse tal de Dostoiewsky, então, é dos bons.

— Pois é, dona Bia. Suas histórias são...

— Maravilhosas! — exclamou vovó Bia, não dando tempo à dona Araci de completar a frase.

E as duas riam na pura simplicidade de uma singela amizade que já estava firmada pelo prazer de ler que era comum às duas.

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Numa tarde de um dia da semana de Natal, Vovó Bia chamou os netos para ouvirem uma história, uma lenda que tinha lido num dos livros de escritores russos.

— Quero contar pra vocês uma história de Natal que anda pelo mundo mas ninguém sabe quem é o autor.

— História que não tem autor é uma lenda. — Disse Dorinha, que já estudava no quarto ano do curso primário.

—Sim, é uma lenda registrada por um escritor russo. Diz a lenda que...

E Vovó Bia, arrumando o chalé nos ombros, contou:

Havia em São Petersburgo, na Rússia, um orfanato que abrigava meninos muito pobres. Chamava-se Orfanato São Estanislau, que é um santo muito venerado por lá. Foi no mês de dezembro, na véspera do Natal, que um escritor foi visitar as crianças do tal orfanato. Fazia um frio intenso. Sabendo que o diretor do orfanato estava com dificuldades para comprar agasalhos, o escritor levou um paletozinho de lã, bem quentinho, para casa órfão. Levou também folhas de papelão, tesouras e lápis coloridos. Depois que todos estavam bem quentinhos dentro dos agasalhos o escritor contou aos garotos a história do nascimento de Jesus, que terminava assim:

“Maria e José, chegando a Belém, não encontraram lugar na hospedaria. Fazia um frio muito forte. Nenhuma casa quis dar abrigo para eles. E Maria estava grávida, quase na hora de dar a luz. José estava desesperado, porém Maria falava para ele:

—" Fique tranquilo, meu marido, haveremos de encontrar um lugar.

“E encontraram. Um estábulo. La no fundo, uma manjedoura, isto é um local onde capim e palha seca são colocados para os animais domésticos comerem e dormirem ao abrigo da friagem.

“José, que era homem muito esperto, ajeitou o capim seco de tal forma que parecia um colchão macio. Maria ali se deitou e ali nasceu Jesus.”

Depois que contou a história, o escritor distribuiu as folhas de papelão, os lápis coloridos e as tesourinhas, para cada criança fazer uma manjedoura. Os meninos logo se puseram a cortar, colorir e colar, numa falação e entre risinhos sem fim. Enquanto montavam, o escritor caminhou entre elas para ver se precisavam de ajuda.

Quando ele chegou perto do pequeno Mikail, que tinha mais ou menos seis anos, viu que ele já havia terminado. Mas quando olhou para a manjedoura, viu dois bebês deitados.

— Porque você colocou dois bebês na manjedoura, Mikail?

Cruzando os bracinhos e olhando a manjedoura, ele começou a repetir, com os olhos brilhantes, a história que havia escutado. Para uma criança tão pequena, que ouvira a história de Natal pela primeira vez, ele repetiu certinho, até chegar no momento que Maria coloca o menino Jesus na manjedoura.

Aí em diante, com os olhos mais brilhantes ainda, começou a acrescentar alguns detalhes.

“Esse menino tem imaginação. Está modificando a história que lhe contei há pouco.” — pensou o escritor.

Então Mikail disse:

— Quando Maria colocou o menino Jesus na manjedoura, Jesus olhou para mim e perguntou se eu tinha onde ficar. Eu respondi para ele: eu não tenho mamãe nem papai e não tenho onde ficar. Então Jesus disse que eu podia ficar com ele. Mas eu disse que não podia ficar com ele porque não tinha um presente para dar para ele. Mas eu queria muito ficar com Jesus. Então pensei em alguma coisa que eu podia dar de presente pra ele. Perguntei: se eu aquecer você, isso serviria de presente? E Jesus me disse: se você me aquecer, isso vai ser o melhor presente da minha vida.

Apontando seu dedinho para as duas figurinhas de bebês, continuou sua historinha:

disse que eu podia ficar com ele para sempre.

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—Que história bonita, vovó! — Exclamou Dorinha.

—É sim! — respondeu Vovó Bia. — Esse garotinho com certeza tornou-se um escritor, pois sua imaginação não tinha limites.

— Quando crescer vou ter muita imaginação e vou ser escritor. — disse o neto Toniquinho, levantando-se e espreguiçando-se, saindo rumo ao quintal para brincar.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 30 de dezembro de 2008

Conto # 1105 da série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 31/12/2018
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