João e o limoeiro
O sertão é mesmo um lugar mágico, onde cidadezinhas nascem ao pé de serras e pé de árvore é considerado cidadão. Só ele para proporcionar um elo tão puro, entre um menino e uma árvore.
João gosta de subir o morro para ler, abrigado à sombra do pé de limão que lá se encontra. Debaixo da árvore, João vive suas aventuras e o limoeiro é testemunha de grandes histórias. Quando a tarde vai se findando, a luz bate na copa do pé de limão e salpica o livro que João estiver lendo de luz. Quando isso acontece, algumas palavras ficam destacadas pelos pontos luminosos. João então viaja no significado de cada palavra destacada. Depois corre para casa antes de escurecer e, sentado à mesa, questiona os pais sobre as palavras.
- Pai, o que é “revolução”?
- É um movimento de pessoas que busca mudanças profundas na sociedade, nos costumes, nas atitudes das pessoas.
- Entendi.
Ele começou a revolver o arroz e o feijão de seu prato, misturando-os. João, sempre que perguntava sobre uma palavra, acabava que por ouvir novas palavras com a explicação dos pais. Ele então meteu uma colherada boa da comida na boca e, ainda mastigando, pergunta:
- E o que é “sociedade”?
- Não fale de boca cheia, João. – Interpelou a mãe.
- Sociedade é uma reunião de pessoas em conjunto umas com as outras, que se organizam e seguem certas leis e que procuram uma determinada ordem.
- Sei. É por isso que na bandeira está escrito ordem e aquela outra palavrona lá, né, pai?
- Sim, filho. E aquela palavra é “progresso”.
- Progresso?
- Sim. Significa desenvolver para melhor. É bem parecido com o que quer dizer revolução.
João ficara calado, pensando nas novas palavras e em seus significados. Ainda não sabia bem o que era “desenvolver”, mas achou melhor guardar um pouco das perguntas para depois do jantar.
- Você lavou essas mãos sujas de terra, menino?
- Opa! Esqueci.
E saiu correndo até a gamela para lavar as mãos. Pela janela, observou o limoeiro ao longe. A luz difusa do sol se pondo dava a ele a impressão que a árvore se mexia. Lembrava-se da última história que lera debaixo de sua sombra: “Michel não quer comer”. Ele se lembra de como o protagonista do livro, Michel, não queria almoçar e, como ele armou uma revolta em casa para deixar de comer. Foi em uma das passagens do livro que João leu pela primeira vez, salpicada pela luz do sol, a palavra “revolução”.
O menino retorna à mesa de jantar e continua sua refeição. Enquanto come, pensa como seria se ele também se rebelasse e não quisesse mais comer. Ele percebe que a mãe logo acabaria com a trama, diferente da mãe de Michel.
Após o jantar, João vai para o quarto. A princípio deita-se em sua cama com o propósito de dormir. Mas, ele está desperto demais para isso. Ele decide, então, ir até o limoeiro. Mas não sem antes agarrar um dos livros que se encontrava em sua pilha de leitura.
Já era noite alta. A luz do luar é forte o suficiente para iluminar o caminho de João. Mesmo assim, ele traz consigo um candeeiro, para a leitura em baixo do pé de limão.
João, chegando ao topo do morro, vê o limoeiro iluminado pela lua, lhe parecendo um tanto diferente do que ele é acostumado. O manto prateado do satélite terrestre banha todo o morro de uma forma magistral, criando uma atmosfera receptiva para o garoto.
Ele acende o candeeiro, fazendo com que a sua luz de curto alcance clareasse o suficiente para a leitura. O menino se assenta e abre o livro sobre as pernas. Enquanto lê, João sorve a fragrância doce que vem da árvore, que nesta época do ano está carregada de limões.
Quando amanhece, a mãe de João vai até o quarto dele, a fim de acordá-lo. Não o encontra na cama, o que a desespera. Procurando por todos os cômodos da casa, estava prestes a sondar os sítios próximos quando vê, ao longe, algo abaixo do pé de limão no alto do morro. Chegando lá, se depara com João adormecido sobre um livro, coberto por um manto denso e quentinho de folhas de limoeiro. Afinal de contas, o pé de limão não poderia deixar o seu amigo passando frio à noite.