A Plantinha

Natal F. Cardoso

Havia uma plantinha muito pequenina que sempre ficava escondida atrás de uma árvore imensa. Assim ela sempre ficava ali, triste e muito fria.

A luz do sol nunca chegava até ela. A outra arvore sempre de nariz empinado, não dava a mínima para aquela pobre plantinha. Ela recebia doses generosas do sol, enquanto a pobre plantinha ficava ali, só e triste. Às vezes o sol passava por ela, mas era por pouco tempo; nesse pouco tempo, porém, ela sentiu o calor de seu abraço e ficou muito feliz. Elas estavam plantadas perto de uma avenida muito movimentada.

A árvore ficava feliz em ver os carros passando por ela, e a plantinha, coitada, tinha de se esticar toda para ver um pouco do movimento da rua. A árvore toda garbosa dizia:

— Sabe, eu adoro ver o movimento da avenida. O sol me esquentado, as pessoas passando por mim. Pena que você não possa sentir isso, pois, pobrezinha, está aí atrás e jamais será alta e forte como eu.

A plantinha ficava arrasada, e a árvore pisava sempre mais na pobrezinha.

— Você deve me agradecer por ter permitido você ficar junto de mim. Aliás, você é uma verdadeira sanguessuga que, para crescer, fica se aproveitando de minhas raízes nodosas e cheias de líquidos. E eu sou tão boa que permito que um pouco de sol a esquente. Mas isso será por pouco tempo. Pois eu sei que logo, logo meus galhos crescerão e impedirão que o sol chegue até você. Sinto muito, queridinha.

A plantinha, muito triste, dizia:

— Me desculpe grande árvore. Mas é que eu nasci em lugar errado, sinto muito.

— Eu conheço muito bem seu tipo. Deve ser uma trepadeira qualquer, que quando eu menos esperar se apoderará de meu tronco, sufocando-me até eu morrer. Mas fique sabendo que tenho cabeleireiros que sempre cuidam de mim, e quando eles perceberem você aí embaixo (espero que eles percebam, pois você é algo tão insignificante que até agora eles não a descobriram), eles saberão que você é uma erva daninha que não embeleza nada.

A plantinha, na verdade era um pé de ipê roxo, estava ali porque um pássaro que almoçava na grande arvore deixara cair aos pés dela umas sementinhas de sua refeição. Ela não sabia disso, ficava triste, sem saber o que fazer como desculpa por estar ali. Realmente a grande árvore tinha razão, ela já vira homens de uniforme amarelo cuidando da grande árvore. Podavam seus galhos e zelavam por sua aparência.

Ela, coitada, ficava ali triste e imaginando se o que a grande árvore disse era verdade. Realmente era uma trepadeira e sempre viverá sugando seu líquido vital. Um dia um pássaro desceu até ela e vendo á triste disse:

— O que foi? Que tristeza é essa?

— É que descobri que sou uma trepadeira. Jamais serei uma arvore grande como ela — disse apontando para a grande árvore que a olhava de rabo de olho.

O pássaro chegou até ela e disse:

— Deixe-me ver o que você é. É isso! Você é um ipê! Sim, sim, um ipê — disse ele resmungando e rodeando a plantinha, que não sabia o que era um ipê.

— Um ipê?

— Sim, sim, um ipê. Agora preciso ver se será um ipê roxo ou amarelo.

— E isso é bom ou ruim?

— Ser um ipê? Ou ser um ipê roxo ou amarelo?

— Não, não, ser um ipê. É bom?

— Se é bom? É claro que é bom.

Chegou perto da plantinha e cochichou para que a árvore não ouvisse.

— Você será mais bonita do que ela.

A plantinha deu um suspiro. Olharam para a grande árvore que era um colosso, suas folhas grandes, seu tronco rígido, sua pele nodosa. Depois olhou para ela e soltou um ah! De desânimo. O pássaro voou até ela e disse:

— Que desânimo é esse? Você pode acreditar em mim, pois, modéstia à parte, eu conheço muitos lugares e sei o que falo. Olhe, já voei por vários lugares; até a Amazônia eu já fui e posso assegurar que você e mais bonita que ela. Você é um legitimo ipê roxo e irá crescer, isto é, se essa árvore deixar. Ou se algum ignorante não arrancar você, pensando que é uma erva daninha.

Quando disse isso, a plantinha começou a chorar.

A grande árvore que cochilava acordou reclamando.

— O que está acontecendo aqui? Só me faltava essa, chorando. O que aconteceu? E esse pássaro? O que está fazendo aí embaixo com você?

— Sabe o que é, grande árvore, ele disse que sabe que árvore que eu sou.

A grande árvore soltou uma gargalhada e depois disse:

— Árvore! Você não passa de uma trepadeira. Eu não lhe disse? Esses pássaros são assim mesmo, meio que avoados.

O pássaro se enfureceu e voou até a grande árvore e disse:

— Pois fique à senhora sabendo que tenho muita experiência no ramo da botânica e sei o que digo.

— Ora, saia pra lá, seu pássaro louco. Qualquer um sabe que essa planta ridícula nunca será um ipê.

— Não fale assim, dona árvore, saiba que está ofendendo a pobrezinha! Olhe como está sofrendo. A senhora poderia ser bondosa e afastar seus galhos para que o sol a ilumine um pouco.

— O quê? Olhe aqui, seu pássaro intrometido, fique sabendo que eu já faço muito em alimentar essa sanguessuga com meus líquidos; e a protejo também das intempéries e, para encerrar o assunto, saia daqui e me deixe em paz.

— A senhora é muito má. Olhe para a pobrezinha!

— Não se preocupe, pois quando meus cabeleireiros vierem fazer a limpeza, se encarregarão de tirá-la de lá.

O pássaro voou até a plantinha e disse:

— Não se preocupe. Logo eles vão encontrar você e lhe dar um lugar especial em algum canteiro na cidade. Agora eu vou embora, pois preciso alimentar meus filhotes.

— Não se preocupe pássaro amigo. Obrigada por tudo.

A grande árvore olhou lá de cima para plantinha e disse:

— Você não acreditou em nada do que aquele pássaro disse!

A plantinha sentiu um a grande força nascer dentro dela e respondeu:

— Sim, acreditei. Tenho de acreditar que alguma coisa boa está dentro de mim, pois mesmo escondida e com minha fragilidade, ele veio até mim e me apoiou sem nunca me ter visto. E se ele acreditou em mim, acreditando que eu possa ser realmente um grande ipê roxo, estarei sendo gentil e retribuindo seu carinho.

A grande árvore do alto de sua imponência sentiu que algo havia mudado dentro daquela plantinha. Sentiu algo estranho dentro de seu tronco, mas mesmo assim disse:

— Não vou mais perder meu tempo dando atenção a você.

E não falaram mais nada. Naquela noite, uma forte tempestade veio sobre a cidade, raios, trovões e ventanias. Entre as raízes, a pequena plantinha sentia o grito da árvore desesperada, pois suas folhas estavam sendo arrancadas. De repente um galho voou, e a grande árvore gritou de dor. A plantinha ali assustada sentia as raízes se mexerem. Em seguida, um tremor fez com que ela fosse lançada longe. A grande árvore jazia ali no meio do asfalto em meio a fios de eletricidade. A plantinha caiu dentro da cova em que estava a grande árvore. Ficou ali sentindo a chuva cair em seu corpo. Não teve medo, sentiu uma grande força. Ouviu sirenes e ficou com pena quando ouviu o barulho de motosserras e os gritos de dor da grande árvore.

Pela manhã, chegaram os homens de amarelo que cuidavam da grande árvore. Ela não estava mais com medo. Sabia o que iria acontecer. Os homens a tiraram da cova e ela foi plantada em um canteiro ao lado de flores maravilhosas. Depois de um tempo, quando cresceu mais, foi plantada num parque em que as pessoas corriam, alegrando-se com suas flores roxas.

Quando ela via os pássaros, abria os braços generosos para recebê-los. Quanta vez abrigou ninhos e ficou feliz em servir de apoio para os pequeninos em seus primeiros vôos.

FIM

Natal Cardoso
Enviado por Natal Cardoso em 27/03/2018
Reeditado em 19/04/2018
Código do texto: T6291864
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.