UMA GRANDE AVENTURA - VII E VIII
PARTE VII
Kevin continuava sacudindo e gritando por Pedro, que não voltava de forma alguma. Havia a esperança de que ainda estivesse vivo e que o socorro chegaria. O sol irradiava sua luz penetrando por entre as folhas das árvores e iluminava o riacho, onde ainda se podia ver descendo cachoeira abaixo veios de sangue. Do lado de fora da mata, porém, a escuridão reinava, e o cacique decidiu que esperariam o dia clarear e que seria inútil entrar à noite. Balançando a cabeça silenciosamente e em tom de repreensão para Hikita, resmungou:
__ Você não sabe o que vocês fizeram...
Os pais dos meninos não concordaram e disseram que iriam entrar na mata de qualquer jeito, mesmo sem a concordância dos bombeiros que também pediam calma. Haviam interrogado Hikita e Tituba que garantiram que o rio era raso. Mas não contaram que Pedro havia batido a cabeça. Ao se aproximarem da entrada da floresta, uma força estranha impedia os pais de continuarem. Kauaka observava ao longe, e aproximou-se:
__ Agora não adianta. Vocês não vão entrar. Não tem jeito. Eu sinto muito. Mas, a floresta vai guardá-los. Não precisam se preocupar. Amanhã assim que o sol raiar, estaremos todos. Mas, não entrem antes de mim.
***
Hartag percebeu a apreensão de Pedro, e sorridente...
__ Relaxa amiguinho. O soberano vai reconhecer o erro e enviar uma nave levando você de volta à Terra. Fique tranquilo.
__ Mas Hartag, esse planeta tão grande, com lugares que parecem incríveis e o soberano vai falar comigo? Apenas um visitante por engano?
__ Sim, qual o problema? O soberano é muito ocupado, mas sempre atende os visitantes com carinho.
__ Visitantes? Como assim?
__ Ora Pedro, então acha que você é o único que veio aqui? Sempre tem alguém. Da Terra veem muitos! Quase todos os dias. Alguns até moram aqui.
__ Moram? E eu poderia ir conhecê-los?
__ Claro, só tem que pedir permissão ao soberano, que, pelo que sei, pretende mandar você de volta imediatamente e reparar o engano.
__ Ainda acho estranho alguém tão importante receber um simples menino. O comandante supremo de Anglorum...
__ Não – disse a menina entre gargalhadas – Ele não é o comandante supremo de Anglorum. O soberano é o diretor desta unidade, que na Terra vocês chamariam de escola. Não é nosso comandante.
E foi explicando ao terráqueo curioso, enquanto se assentavam à espera de serem chamados como funciona o planeta, os visitantes e tudo o mais.
__ Anglorum é um planeta rochoso, como a Terra, e tem atmosfera parecida, com um oxigênio um pouco mais rarefeito, mas respirável para os humanos. Nós também conseguimos respirar sem nenhum problema no seu planeta. O núcleo é quente e líquido, com uma lava azulada, como vocês chamam na Terra.
__ E sua civilização, quanto tempo tem?
__ Enquanto que os humanos, que nós já estudamos nos primeiros anos nas nossas escolas têm cerca de dois milhões e meio de anos terrestres, os anglorianos possuem mais de vinte milhões de anos, como contados no seu planeta. Nosso ano aqui é maior que o de vocês, pois gastamos em média dois anos e meio girando em torno de Sirius.
__ E vocês sempre recebem visitas de humanos?
__ Bom, aí é um pouco mais delicado. Nossos ancestrais visitaram seu planeta há muitos anos. Fomos recebidos como deuses. E sim, eles se dispuseram a vir nos visitar para que nós os possamos estudar, mas sem ferir ninguém. Deixamos um pouco de remédios para os diversos males humanos e alguns vêm para cá. Hikita sempre vem e Kauaka sabe. Por isso não devem estar preocupados com você.
__ Mas, por que me trouxeram?
__ Não sei ao certo, sou apenas quem os recepciona. Pelo que sei, eles iriam trazer a menina e algo aconteceu...
Nesse momento, o menino começou a compreender certos acontecimentos. E foi explicando sobre a maldição da mata, as pedras que brilham e o mistério da floresta onde o tempo não passa.
__ Bom amiguinho, as pedras que brilham são do nosso planeta. Elas na verdade estão conectadas aos nossos equipamentos e purificam a água da aldeia. Ela é curativa, mas precisa sempre estar em contato com a luz, por isso, instalamos nas árvores da floresta, alguns pontos de luz que ficam praticamente invisíveis. Eles também exercem influência magnética nos seus relógios, que dão a sensação de que o tempo não passa e é sempre dia. Mas na verdade é nossa tecnologia. O cacique sabe, mas não consegue ainda entender. Então nós estudamos sua cultura e usamos as palavras magia e maldição para que ninguém se assuste tanto.
__ Então, tudo aquilo que ouvimos é só uma lenda?
__ Sim. Não é uma mentira, é uma forma de explicar.
Nisso, ouviu-se um ruído na sala do soberano e uma campainha soou. Anunciava-se que Pedro seria o próximo a ser recebido. Duas crianças saíram sorridentes da sala. Mas ainda deu tempo de Hartag comentar um pouco mais.
__ Enquanto o soberano não nos chama, vou contar mais. Hikita vem duas vezes ao mês, fica dois dias aqui. Em seu planeta, o cacique diz que foram fazer atividades da tribo, para que ninguém sinta falta.
__ O que fazem com ela aqui e por que ela não nos contou?
__ Bom, examinamos o sangue humano e seu DNA para compreender melhor sua formação biológica. Estamos tentando curar algumas doenças e prevenir outras. E claro, também reservamos material biológico para nossos medicamentos. Ela não contou porque não sabe. Assim que ela é abduzida, nós a acalmamos com as boas lembranças, e na volta, é condicionada a esquecer tudo. Às vezes ela sonha, mas, nada mais.
Nisso o soberano os chamou.
__ Vamos. Ele nos aguarda.
VIII
O alvorecer foi acompanhado de pássaros que cruzavam por sobre a tribo e pela mata. As últimas palavras do cacique haviam acalmado um pouco os pais do garoto que ficaram mais tranquilos com a confiança de Kauaka. Até dormiram um pouco. O barulho dos pássaros acordou-os. Mal esfregavam os olhos e o líder da tribo, juntamente com as crianças que haviam acompanhado os dois, chegaram com algumas frutas e biscoitos. Comeram e adentraram na mata. A trilha que levava ao riacho, próximo à cachoeira ainda estava com as marcas dos pés das crianças.
***
Ao entrar na sala do soberano, Pedro ficou impressionado. O teto era de vidro, mas escuro, de forma que a luz de Sirius não incomodava. As paredes eram de um amarelo suave, com pinturas que pareciam retratar lugares de Anglorum. Jezstei observava o menino e sua enorme curiosidade. Não queria interrompê-lo. Até que Pedrinho percebeu que estava na hora.
__ Então senhor soberano, parece que não era pra eu estar aqui.
__ Oh não – disse em tom solene – não era, foi um engano. Mas também não tem problema. Você será enviado em alguns instantes.
__ Aquilo ali – disse apontando para uma das pinturas – é uma cidade?
__ Sim. Aqui em Anglorum temos inúmeras cidades. Todas grandes. Praticamente todos vivem nas cidades. Olha, eu sou um estudioso da Terra, e muitas coisas que vocês fizeram, nós adaptamos aqui, como por exemplo a música e o cinema. Ahhh a música, essa é a melhor invenção da humanidade. Éramos um pouco tristes antes de conhecer as inovações terrestres. Em pouco tempo seu planeta evoluiu muito.
__ Nossa, e eu pensando aqui o quanto nós somos simples.
__ De forma alguma Pedrinho, ultimamente temos aprendido com vocês como alguns se preocupam com o ambiente. Anglorum já esteve à beira de se transformar em um deserto completo. Foi com os humanos que aprendemos que devemos cuidar do nosso ambiente, afinal, aqui é nossa casa. Foi a partir dessa época que começamos a visitar mais seu planeta e fizemos contato com os líderes de grupos que ainda vivem fora das cidades. Nossas cidades são muito complexas, e nossas construções hoje são inteligentes e integradas ao planeta, de forma a não destruir ou se for preciso, reparar os danos quando a destruição se faz necessário.
__ Você conhece o Kauaka?
__ Sim. Ele é nosso amigo. Kauaka sabe que estamos com você. Provavelmente houve um engano, porque nossa nave não deveria trazer ninguém. Você certamente desobedeceu alguma ordem.
Sem graça, Pedro contou que sim. Que não deveriam ter entrado na mata e provavelmente estariam preocupados sem saber onde ele se encontrava.
__ Eles vão saber que você está bem. Acontece de vez em quando alguns desaparecimentos naquele lugar, mas o cacique sabe que todos voltam bem.
__ Mas talvez, meu amigo pense que estou morto. Vamos desfazer imediatamente o mal entendido. O comandante só está reunido com a equipe que vai levar você de volta, e ao chegar, não se lembrará de nada.
Ao sair da sala, o soberano pediu que Hartung acompanhasse Pedro numa das bolhas. Essas eram uma espécie de cápsula voadora inteligente, que dava uma volta pelo planeta. Hartung, a recepcionista amava seu trabalho. Pedro se sentou e logo a bolha subiu em linha reta e em poucos segundos estava no espaço. De lá, a bolha voou e deu uma volta em torno do planeta. Não demorou muito. Anglorum era lindo, como a Terra, azulado e cheio de oceanos. Não havia desertos, mas muitas florestas. Águas, rios e cachoeiras enormes. Continentes eram apenas dois. Não havia países como aqui. Hartung explicou que cada lugar havia um comandante que obedecia ao comando supremo do planeta, composto por um grupo de pessoas mais velhas, com conhecimentos de vários mundos. Ah, e por falar nisso, os anglorianos viviam cerca de quatrocentos anos terrestres. Alimentavam-se apenas de vegetais e sucos naturais. O planeta não possuía muitas espécies animais, mas nunca eram comida. Eles são parte do equilíbrio ecológico anglorianos.
A bolha baixou um pouco mais e sobrevoou a cidade onde Hartung vivia. Ela apontou para um edifício, cujo teto era recoberto de vegetação:
__ Ei Pedro, ali é minha casa. Aquela janelinha do lado esquerdo.
A casa de sua nova amiga ficava na parte superior do edifício. Podia-se ver que em cada andar havia uma plataforma, uma espécie de marquise que servia de estacionamento e se recolhia quando não utilizada. Pedrinho não se espantou tanto, na verdade, porque, apesar de ser diferente, lembrava muito as grandes metrópoles da Terra, que ele via nos filmes. Mas eram numerosos os anglorianos. Eles circulavam freneticamente pelas ruas das cidades com seus pés sob rodas, parecendo um patins, mas com muita estabilidade, permitindo a eles também, voarem a pequenas distâncias. O garoto se encantou com tudo.
Nisso, a bolha bruscamente se volta para um lugar mais afastado, onde em meio à mata podia-se ver uma grande construção. Hartung desceu com o amiguinho e pararam no estacionamento. Um robô o recepcionou e levou-o a uma sala onde foi servido uma comida aos dois.
__ O que é isso Hartung?
__ É uma comida típica de viajantes do espaço. São vegetais produzidos em nossos laboratórios, adequados para uma viagem em que o deslocamento será de alta velocidade, com todo o equilíbrio necessário para sua sobrevivência.
Pedro fez cara de entendido, embora não tivesse entendido nada. Mas comeu.
__ Agora é hora de nos despedirmos. Você vai voltar para o seu lar. Hoje mesmo estará na Terra...
Pedro a interrompeu cheio de dúvidas:
__ Mas, estamos muito longe, como vamos chegar hoje?
__ Não se preocupe, não será uma viagem convencional. Você entrará num vortex e em minutos estará lá.
__ Vortex? O que é isso?
__ Poxa Pedrinho, não ensinam física na Terra? Vou explicar de forma bem simples. É uma espiral do tempo. Como um portal, que é uma ideia que vocês conhecem em seu planeta. A nave atravessa esse portal do tempo e espaço e em minutos está no seu sistema planetário. Por isso essa comida especial pra você. Não se preocupe, não dói.
O comandante pede para que o menino entre na cabine que será acoplada à nave. Antes de despedir-se Pedro perguntou e pediu:
__ Posso não esquecer de tudo o que vivi aqui?
__ Infelizmente não, meu amiguinho – disse Jeztsei, o comandante. Faz parte do acordo
__ Acordo?
__ Sim, menino. Explico pra você na nossa rápida viagem – disse sorrindo.
Pedro virou-se para Hartung para se despedir e perguntou:
__ Quantos planetas vocês visitam? Quantas civilizações existem no universo?
__ Eu ainda não sei tudo isso Pedro estou ainda no processo de estudo e aprendizagem sobre esses assuntos. O comandante irá explicar melhor pra você. Eles não se importam de explicar para os nossos visitantes. Uma pena que você precisará esquecer tudo isso depois. Mas, prometo: vamos nos reencontrar. Toda a sua visita aqui está registrada.
__ Então tá – disse Pedro meio triste, meio surpreso. Obrigado pelo carinho nesses dois dias que passei aqui com vocês. Vou sentir saudades... só que não, porque não vou lembrar.
__ Também vou sentir sua falta por enquanto – disse a menina enquanto colocava uma pedrinha anglroriana, meio azulada no bolso do garoto, dizendo ser uma pedra da sorte, muito comum em seu planeta.
E afastando-se da amiga, entrou na nave que iria decolar e levá-lo de volta à Terra.
***
Os pais dos meninos estavam aflitos, apesar de o cacique ter garantido que não haveria perigo algum. Seguiam lentamente os passos frescos ainda pelo chão. E gritavam:
__ Pedrinho, Kevin.... onde estão???
Hikita apontava o caminho, apesar de a mata ser bem pequena. Estranhamente, ela sempre dava a impressão de que se andava em círculos. Chegando próximo à cachoeira, quando já se podia ouvir o barulho das águas que caem, ouviram uma resposta dos seus gritos.
__ Aqui, aqui....
Era Kevin, aos gritos, que indicava que estava por perto.
__ A mãe de Kevin correu e lhe deu um abraço bem apertado. Na verdade queria puxar-lhe as orelhas, mas a alegria do reencontro foi maior.
__ Toma filho – disse o pai – oferecendo-lhe um lanche.
__ Obrigado pai, mas não estou com fome.
__ Como assim, não está com fome? Vocês estão perdidos desde ontem à tarde.
Kevin fez cara de confuso, pois na verdade, havia se passado cerca de dez minutos dentro da mata. Havia ali uma confusão do tempo. Kauaka entrou na conversa, despistou, o que Hikita não compreendeu bem e desviou do assunto dizendo:
__ Vamos encontrar o outro garoto. Vamos logo. Ele pode estar ferido.
Essas palavras doeram um pouco nos pais de Pedro, mas seguiram adiante.
__ Pedro está logo ali – disse apontando para a cabeceira da cachoeira – ele está desacordado. Vamos logo.
Enquanto caminhavam, o cacique contava a lenda das pedras que brilham para os pais, quando, de repente, viram um clarão como um relâmpago e ouviram barulho de trovão. Tudo repentino e rápido.
Kauka disse que esses barulhos eram comuns, que não se preocupassem, que o garoto estaria bem.