Primeira Dor
Desejo compartilhar uma lembrança de infância muito engraçada. Era véspera de natal e eu havia escrito uma carta ao papai Noel pedindo como presente, um Boeing 747. Aguardava ansiosamente pela noite que se aproximava para contemplar o presépio e a árvore verde de feixes aluminados na sala de casa. Sentado em uma cadeirinha amarela observava as luzes vermelhas do pisca- pisca turvarem o negror da noite melancólica. Minha mãe de forma calorosa me abraçava desejando o feliz natal, tão típico, tão real.- E o presente mamãe ? Chega que horas? - Papai Noel deixará na janela do seu quarto no alvorecer do dia, filho. Deixe sua meia na janela e durma bem cedinho hoje. Ao acordar pela manhã, ouço o zunir de meus pés em atrito com o papel de presente. Era simplesmente um carrinho de ambulância branco de janelinha de películas azuis ofuscadas com rodas giratórias travadas, por efeito da falta de pilhas. Começa neste momento um interrogatório pericial com mãe. Tomamos café, eu me dirigia ao quarto, trocava o pijaminha rosa de algodão, me preparando para a saída de casa rumo ao trabalho doméstico diário da minha madre. No caminho em meios a inquirição que iniciará no degustar da primeira xícara de café, mãe revelou que o papai Noel era o seu patrão ioiô Lopes que havia comprado o presente em Salvador e lhe entregou secretamente no dia antecedente. Senti a primeira dor, e o meu choro simulava uma sirene de ambulância, acordando a vizinhança que me via passar de mãos entrelaçadas com mãe, na calçada sem neve, a caminho do trabalho...