MILTON E VERINHA

Ela o avista da sua sala e criando coragem encaminha-se até ele.

- Oi. – riscando o chão com o bico do sapato e olhando o que desenhou.

- Oi. O que foi? Nunca viu alguém do lado de fora da sala de aula? – ele responde rudemente, com as mãos cruzadas nas costas e encostado na parede.

- Sim. Já o vi várias vezes encostado nesta parede e sempre fiquei curiosa para saber porque você ficava aqui fora ao invés de lá dentro? O que faz aqui?

- A professora me mandou sair.

- Você estava incomodando a aula?

- Ah! Ela disse que sim. Estava tudo muito quieto, mas queria dar um cascudinho na cabeça de um, beliscar o outro, queria falar, falar...

- Ah tá! Queria chamar a atenção, né?

- Você acha? Pois que seja! – diz emburrado.

- Como se chama?

- Milton.

- Milton, se eu fosse psicóloga ou terapeuta diria que você vem de um lar turbulento, com um pai que bebe muito e após beber fica violento. Violento ao ponto de bater na esposa e nos filhos. Acertei?

- Hã? – diz o menino arregalando os olhos. – Até parece que você vai lá na minha casa e assiste as brigas!

- Viu? Acertei! Mas não fique triste, não! Deixe as brigas para o ambiente de sua casa, já que não pode evitar. Para cá traga apenas seus livros e a vontade de aprender, seu bobo! Está perdendo seu tempo!

- Hã hã. Obrigado Verinha. – diz de cabeça baixa, desta vez sem arrogância.

- Verinha? Como você sabe meu nome?

- Vi seu nome naquele cartaz ali. – apontando com o queixo para o cartaz na parede com fotos e nomes dos melhores alunos da escola. – Você é a melhor em tudo, né?

- Não Milton. Não sou melhor em tudo, mas gosto de estudar e aqui me sinto segura e tranquila. Não importa se tenho problemas em casa ou não. Quando aqui chego, me transformo. Vejo minhas amigas, conversamos, trocamos ideias, estudamos, damos risadas!

- Hum... Que bom. – responde o menino

- Temos um grupo de estudo todas as segundas, quartas e sextas-feiras. Se você quiser participar, será bem vindo.

- Verdade? Mas não sei nada! Não vou ajudar em nada!

- A princípio você vai aprender! Leva suas dúvidas e vamos ajudar a fazer as tarefas!

- Verinha... Tem uma professora na porta de sua sala, com cara de brava, com os braços cruzados, olhando para cá.

- Oh! É minha professora! Nossa! Já se passaram quinze minutos que estamos conversando!

E voltou correndo para a sala de aula.

(Milton tornou-se engenheiro químico de uma importante multinacional e Verinha é escritora).

Simone Possas Fontana

(escritora gaúcha de Rio Grande-RS,

membro da Academia de Letras do Brasil/MS, ocupando a cadeira 18,

membro correspondente da Academia Riograndina de Letras,

membro da UBE/MS – União Brasileira de Escritores,

autora dos livros MOSAICO, A MULHER QUE RI e PCC,

graduada em Letras pela UCDB,

pós-graduada em Literatura,

contista da Revista Cultura do Mundo,

blog: simonepossasfontana.wordpress.com)