Passa o ferro...
Rodeada de nós, Tirrita, de pé, passava roupa naquela sua cadência inconfundível, como se dispusesse de todo o tempo do mundo. Da atenção, já dispunha. Afinal, éramos vizinhos de cerca, e não dava pra trocar por nada aquela hora sagrada. Muito menos pela insossa Voz do Brasil...
As passações de roupa estavam quase que invariavelmente associadas à contação de estórias ouvidas no rádio - rádia, para nós - e retransmitidas com fidelidade atroz. A hora ideal era dispois da janta. Dispois, sim, tia Rita sempre falava assim. E só ela. Mas não tentávamos corrigir, pois era sua marca registrada e o resto da estória vinha todo certinho, sem um amarrotadinho.
Ainda não recorri ao google para esclarecer. Tenho medo de não se confirmar minha impressão da origem galega da palavra, que passou para ela via genética, já que vovô Velu tinha raízes galegas. E o galego tão bem mais próximo do espanhol, onde o depois é después...
Mas e dispois? Bem aí vinha a história, quase sempre uma novidade e quase todas dum conteúdo moral-religi(g)oso, onde o bem sempre prevalecia.
De ferros, titia estava bem. Usava um elétrico que era uma beleza pra defazer os amarrotados, desde que guiado por sua destra mão. No entanto, como para perenizar uma lembrança de tempos mais árduos da Onça e do Brumado, sempre mantinha ao alcance, um ferro a brasa. Era feio, feito um sapo num jardim florido. Mas tivera sua serventia por anos a fio. E agora, a frio.
Só raramente era acionado quando faltava energia - o que não era incomum - e se fazia premente uma passação de emergência. Aí, o ferrinho voltava aos seus tempos gloriosos, desde que bem abrasado e inda por riba, soprado. Mas dava conta do recado.
E aí, passou nosso tempo, sem uma estória de tia Rita. Chegou a hora de dormir. E do lembrete infalível dela para quando saíssemos, "...passar o ferro no portão".