A caçarola remendada
Ela já não tinha mais cabo, mas nem os rigores de
tantos calores e ferventes acidentes tinham dado cabo dela. Preta, de ferro - e com aquele remendo de lado - ainda tinha serventia, em tempos outros, duros, mas sem panela vazia.
Seus colegas de trabalho, que incluíam caldeirões,
panelas e uma nova caçarola, essa já de alumínio, que
o dissessem. Não era mole ficar duas horas ou mais
sentado na trempe incandescente do fogão de lenha. E o pior é que, feito o serviço, eram encostadas e nem ao menos areadas quando lavadas. Feito as panelas
brilhantes de Tibebé, que delas cuidava, como num
dogma de fé.
A caçarola remendada não ganhou esse nome a toa. Já tivera seus dias de glória, sua mais bela história e
na certa, um tombo, que lhe provocara uma rachadura lateral, da borda até o meio do corpo. Ou teria feito parte de um acerto de contas culinário, rachando a cabeça de algum otário? Melhor pensar na primeira opção, pois uma caçarola melhor faz arroz e feijão. Com toda paixão.
O remendo, é que chamava atenção: bem feito para os tempos pre-Brastemp, consistia numa chapa de ferro exterior, presa por pontos de arame, sobraçando os dois lados daquela racha. Não chegava a vedar completamente, mas fazia um esforço férreo.
E a velha caçarola se prestava com humildade e
eficiência a trabalhos acessórios, como assar um bolo
- que papai era mestre em fazer - entre brasas no
fundo e na tampa.
Quando nos mudamos do povoado para a cidade, a
caçarola, agora transformada em pote de margaridas,
já não nos seguiu. Mas não foi a única a ficar: teve
por companhia a passadeira de borracha plastificada e a torradeira de café, ambas sem remendos, mas ambas também a fincar o pé.