Velho Chico
Nos regulávamos em idade. E nos nossos folguedos infantis, na fase pre-escolar, valíamos-nos da vizinhança para otimizar nosso lazer. que era infindo, e lindo. Chico do Duca, eu, do Luiz, fomos desenvolvendo amena, serena, a relação mestre-aprendiz.
Chico chegara ao Brumado duma roça vizinha, com a família "do Duca e de Vicentina", de numerosa prole e se instalaram ali naquela casa amarela ao lado da nossa. Cheguei até a testemunhar a ereção daquele imóvel, sob as determinações do mestre-de-obras de Pitangui, o Miguel Arcanjo, funcionário da Cia de Tecidos, que era dona de nossas lidas e vidas.
As bananeiras frontais daquele lote que servia de pomar para a Companhia de Tecidos do Brumado, deram lugar à uma febril construção, que até alpendre viria a ter. Ao fundo da casa, no entanto, a pomar permaneceu intocado, dando laranjas, mexericas que nos enchiam de cobiça não robiça.
Enquanto fazíamos boizinhos de manguinhas verdes caídas do pé, e marcávamos o chão molhado com a ponta do indicador e do médio, simulando rastros de bezerrinhos, no linguajar mateiro de Chico aprendi noções básicas do viver no campo, como por exemplo o caso da vaca que só purdizia bizerro se inxertada, ou como do alumínio, que ele descobrira, que constava até na oração que se aprendia no catecismo do Espírito Santo, que se concluía com um "...me ilumina, amém...".
O sonho realizado de Chico foi ser goleiro. E chegamos a treinar juntos algumas vezes, em times que se formavam nas periferias de Pitangui, para onde nos mudaríamos. Não cheguei a incomodá-lo com minha obtusa pontaria. Mas nos dávamos sempre bem em nossas reminiscências da infância, invariavelmente com um balcão no meio, pois ele se tornara barista e eu aspirante a goleiro. De gole, mas não me degoles, leitor. Corrigi-me a tempo.
Com o gol e o copo vazios, Chico, que conhecia bem as virtudes da pitu, com pitanga, afogou-se nas passadas águas, mas sem mágoas. Foi convocado para jogar na eternidade.