Era uma vez...

Era uma vez...

É assim que se começam as histórias de tempos distantes, não é?

Pois então, era uma vez uma Lagartixa e uma Aranha. Eram amigas de longa data. Ambas órfãs, tiveram uma à outra para cuidar.

Foram dias difíceis aqueles. Consideravam-se irmãs, mesmo que, ainda muito jovens, não entendessem por que eram diferentes.

A Aranha, de quatro pares de olhos, parecia enxergar completamente tudo à sua volta. E aquele negócio estranho que ela construía para pegar suas presas, se alimentar e alimentar a Lagartixa, o que era? Lagartixa não sabia, mas achava-o belo e luminoso, especialmente quando chovia e as gostas de chuva ficavam presas aos fios.

Muitas vezes, a Aranha ficava ali em seu refúgio, não para capturar suas presas, pois conseguia jejuar, mas apenas para refletir sobre o mistério do existir.

Do que mais a Lagartixa gostava na aranha era da sabedoria. Parecia que mais do que tecer sua proteção e sua armadilha, a Aranha tecia a compreensão dos caminhos a tomar.

Quanto a Lagartixa, a Aranha achava-a engraçada e misteriosa. Não sabia por quê, mas nutria, desde de que a viu pela primeira vez, uma imensa simpatia.

Aquele jeito de ver o mundo de cabeça para baixo era admirável! Quantas coisas diferentes podia ver que ninguém mais via! Às vezes, a Aranha se dispunha também de cabeça para baixa, para ver se enxergava o que a Lagartixa via. Em vão. Eram mesmo diferentes e essa diferença as unia.

E aqueles olhos? O que eram aqueles olhos tão profundos? Eram apenas dois, mas a Aranha sabia que viam além da luz e da sombra.

Certa vez, a Lagartixa chegou com uma novidade, seus olhos estavam ainda mais misteriosos, mas a Aranha entendeu que algo significativo iria acontecer. Disse de uma vez só, com um sorriso largo, que queria conhecer o mundo.

A Aranha suspirou profundamente, sorriu e lhe desejou boa sorte. Não poderia acompanhá-la. Aquela aventura era somente da inquieta Lagartixa.

Então, sem muitas despedidas, lá se foi a Lagartixa em busca de si mesma, enquanto descobria o mundo. Andou por terras mágicas e perigosas e viu muitas coisas, como águas luminosas, onde bebeu e se fartou, solos encharcados e secos, o colorido que pulsava no mundo. Nem sentia mais fome. Não a fome que nutri o corpo. Tudo nela era luminosidade disfarçada em gotas de chuva. Encontrou-se com outras lagartixas. A princípio, ficou feliz. Depois, compreendeu que apesar de se achar junto aos que lhe eram semelhantes, a semelhança pouco importava. Em nada acrescentavam ao espírito inquieto que pulsava dentro dela. Quando contou que tinha uma irmã, mas que era uma irmã diferente dela, quiseram saber como era. Escandalizaram-se com a descrição. Afinal, ela tinha como irmã uma aranha? Não podia ser! Como sabiam que a Lagartixa era órfã desde nascença e que onde esteve não havia outra lagartixa, resolveram lhe contar a "verdade": eram predadoras daquele ser que ela chamava de irmã. Eram inimigas!

Como estavam em escassez de comida, organizaram-se para ir até onde estava a Aranha. A Lagartixa pediu, implorou e não pôde conter o grupo de outras cinco lagartixas. Ficou ali abandonada, profundamente triste e se sentindo incapaz de resolver a situação.

Mas tinha de fazer alguma coisa. Ficar ali de nada ajudaria a ninguém. Voltou o mais rapidamente possível para casa, por um caminho menor, desconhecido pelas outras, que nunca saíram das próprias casas.

Ao chegar, avistou, após um breve tempo, as outras que se aproximavam. Pôs-se à frente da Aranha e quando elas se aproximaram, disse que não tinham permissão para estar em sua casa. Riram dela. Queriam a Aranha.

Foi então que, nesse momento, quando a Aranha já estava disposta a se deixar levar, para salvar a Lagartixa, que esta revelou-se em luz e tornou-se, aos olhos das outras, gigantesca.

Saíram apavoradas, pois temiam por suas vidas e diziam umas às outras que achariam comida em outro lugar, afinal, um monstro disfarçado em lagartixa quase as engoliu.

Aranha e Lagartixa, cada uma do seu jeito, esticaram-se ao pôr do sol e conversaram longamente. A Aranha já sabia, mesmo não tendo nunca saído dali, muita coisa das descobertas da Lagartixa, mas não deixou transparecer, para que a amiga não perdesse o entusiasmo da contação.

Por outro lado, compreendeu o quanto a irmã e também amiga havia se transformado, não em um monstro, como disseram, mas em sua própria essência, a Lagartixa.