A caverna de Patão

A CAVERNA DE PATÃO
Miguel Carqueija e Francisco Carlos Amado

INTRODUÇÃO
PATOS EM VIAGEM

Como já era de rotina, o Pato Donald e seus sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho compareceram, certa manhã, ao escritório do Tio Patinhas que, dessa vez, estava de bom humor. Depois de convidá-los a sentar, declarou:
— Vocês tratem de arrumar as malas, porque amanhã mesmo estaremos na Grécia!
—Como assim, Tio Patinhas? — disse o Donald, espantado. — Não podemos viajar assim de repente!
— Como não? Os garotos não estão em férias?
— Ainda não... só daqui a quinze dias...
— Ora, isso dá-se um jeito! Eles podem fazer complementação depois...
— Mas eu tenho uma porção de contas vencendo! Quem vai pagá-las na minha ausência?
— Por que é que você não as coloca no débito automático?
— Tio, eu não confio muito nessa coisa...
— Então pague todas as contas hoje!
— Hoje? Como assim, Tio Patinhas? E cadê o dinheiro?
De sua cadeira atrás da escrivaninha Patinhas passou os olhos pelos meninos:
— Vocês não podem emprestar da sua mesada para o seu pobre tio? São três, o porquinho de vocês deve estar cheio de moedas!
HUGUINHO (indignado): Tio Patinhas, não seja muquirana!
ZEZINHO (mais indignado ainda): O senhor sabe muito bem que o nosso tio nos dá a mesada do que o senhor paga a ele! Quando dá, é claro!
— Então, mesmo indiretamente sou eu que estou pagando!
LUISINHO (ainda mais indignado): Tio Patinhas, o senhor quer que a gente conte aos nossos colegas escoteiros que o nosso tio é unha-de-fome? Podem cancelar a medalha que estão pensando em lhe dar!
Patinhas começou a fumegar:
— A quem vocês puxaram afinal? Não, não precisam responder! Está bem, Donald, por essa vez eu pago as suas contas! A sua sorte é que estou atrás de algo muito valioso, e que vale a pena...
— Não nos mantenha em suspenso, tio —disse o Zezinho. — O que o senhor vai procurar na Grécia?
— Querem saber? Simplesmente a misteriosa e perdida Caverna de Patão!
Donald permaneceu meio impassível, porém os meninos se agitaram e Luisinho foi o primeiro a falar:
— Não é possível, Tio Patinhas! Ninguém mais sabe onde fica a caverna de Patão!
— A não ser que o senhor tenha descoberto. O senhor é capaz de tudo — acrescentou Zezinho.
— Recebi uma excelente informação e acredito que estou na pista certa.
— Puxa... — murmurou Huguinho — deve haver tesouros arqueológicos fabulosos nessa caverna...
Ouviu-se uma voz dissonante:
— Quem é esse tal de Patão?
Patinhas olhou contrariado para Donald:
— Não apregoe a sua ignorãncia, sobrinho. Patão foi um dos grandes filósofos da Grécia antiga, autor de obras famosas como o “Timão” e a “Apologia de Pátacres”...
— Tio Donald, no Manual do Escoteiro tem tudo sobre ele! — acrescentou Huguinho.
— E quem disse que eu leio esse manual? — e o Donald bocejou.
Nisso a Dona Cotinha entreabriu a porta e deu uma espiada:
— Seu Patinhas, desculpe interromper mas um dos seus amigos está aqui: o Senhor Pardal!
— E por que não marcou hora? Bem, como se eu não soubesse! Ele só pensa nas invenções e vive no mundo da Lua! Tá, mande entrar!
A porta se fechou e, aproveitando o rápido ensejo, o velho pato recomendou:
—Não comentem nada! Pode ser que eu resolva falar, mas deixem comigo!
A porta tornou a abrir e a figura alta e magra do Professor Pardal apareceu.
— Bom dia, seu Patinhas! Oi, Donald, garotos, que surpresa!
— Bzz! Bzz! Bzz! – alardeou lampadinha, que gostou de ver os meninos.
— Pardal, estou ocupado com os meus sobrinhos. Seja o que for, trate de ser rápido! – assim dizendo Patinhas indicou uma cadeira que sobrara. Pardal aceitou o convite e foi logo explicando:
— O senhor me falou de uma caverna antiga na Grécia e andei pensando que a mesma pode realmente existir, quem sabe?
— Engraçado, nós estávamos falando disso mesmo... — começou o Donald, mas o Tio Patinhas, erguendo-se da cadeira, deu-lhe uma bengalada na cabeça, amassando-lhe o boné.
— Ai! Que história é essa, Tio Patinhas? Isso doeu!
— Donald, seu linguarudo, eu lhe avisei...
— Hora, tio! — exclamou o Zezinho. — Para que isso, se o senhor mesmo já falou com o Pardal?
Patinhas acalmou-se um pouco e sentou-se.
— Bem... realmente... eu consultei o Pardal como cientista...
— Pois é — disse o Pardal, sem se dar por achado. — E creio ter encontrado pistas muito boas sobre a caverna onde o filósofo Patão guardou seus preciosos segredos. Vejam, vou acionar meu projetor de hologramas sonoro. Ele tem até fundo musical!
Não foi nem preciso apagar a luz, pois a tela holográfica que Pardal projetou em pleno ar (e todos ajeitaram suas posições para olhar) mostrou uma região inóspita e a entrada de uma caverna entrevista ao longe. Segundo o narrador do documentário, naquela região exisitiam muitas cavernas onde ninguém entrava por serem consideradas insalubres, cheias de morcegos, cobras e outros bichos repulsivos. Até aquela data os espeleologistas não haviam demonstrado grande interesse pelo local. Porém, um velho montanhês afirmava haver encontrado, numa das grutas, o selo de Patão perto da entrada. Era a caverna que em seu frontispício tinha uma figura de pato, bem grosseira e estragada pelas intempéries, de modo que não se podia afirmar ter sido esculpida ao acaso pelos ventos e chuvas, ou se fôra trabalhada por mãos humanas ou palmípedes.



— Pois bem. Eu acredito que uma máquina de teleporte já é muito complexa e pode atrair os Irmãos Metralhas ou outro qualquer. Como sei a localização da caverna isso seria fácil, mas poderia assustar os habitantes locais que são muito desconfiados. Que tal se o senhor me financiasse um aviãozinho hipersônico para 6 lugares e que chegasse lá em 40 minutos? Seria viável, mas falta-me capital pra prosseguir.
— Tudo bem eu darei o dinheiro e o que tem em troca? Outra estrambótica invenção sua que pode dar errado depois? – Tio Patinhas olhou de soslaio pro Pardal ao dizer isso.
— Calma, ou melhor eu vou dizer o que quero. A minha aeronave usa água e gasopite e o que sai de sua combustão não é fumaça! Sai ouro em pó e petróleo como resultado do uso de turbinas lépidas...e...
Patinhas num repente pulou e gritou um daqueles quacs enigmáticos, sem sabermos se está zangado ou eufórico, assustando todo mundo. E Donald disse:
— Tio, fica calmo, senão terá de tomar suas pílulas caras de novo!
Claro, Patinhas reviu a economia disso e parou pensativo ao lado de sua mesa. O velho pato olhou pra todos e argumentou rápido:
— Bom, nesse caso – seus olhos faiscavam – eu ajudarei com a grana e material, tá bom assim?
Pardal sorriu, se levantou, disse adeus a todos e agradeceu ao nosso avarento Patinhas. Saiu com Lampadinha todo pensativo, quase esquecendo seu ajudante...
Os sobrinhos de Donald se manifestaram, dando vivas e disseram:
— Temos agora uma aventura na Grécia! Que legal, tio! Vamos falar para nossos amigos escoteiros e morrerão de inveja!
— Vocês podem ir, mas como fica as lições de escola de vocês? Terei de arrumar o Gilberto pra isso? Viajar assim no meio das aulas...
Tio Patinhas riu e comentou algo sobre comprar uma escola e fazer o refazer dos estudo dos sobrinhos-mirins. Logo teria mais para bancar até 200 escolas em Patópolis e que Donald não se preocupasse por ora.
— Se assim diz, eu concordo com essa aventura toda! Vamos ter de levar arroz grego pra viagem? Não gosto muito de só comer arroz com tanta pão durice que o senhor tem!
—Sobrinho, não vai querer polir as moedas da ilha de Pago-Pago? Elas pesam só uns 100 Quilos... pode até ficar se quiser em minha caixa-forte, pois tenho tantas moedinhas sozinhas sem polimento...a-ham!
Donald engoliu em seco e deixou de lado a zombaria típica dele.
— Tá legal, tio. Venceu a parada e eu estarei cedo no lugar que marcar o vôo. Aliás, quando vai ser? E aonde vamos nos encontrar?
— Confesso que nada disse sobre isso, será que esqueci algo? Na dúvida vou ligar pro Pardal e marcar o dia e o local. O equipamento de escalada e os mantimentos já foram arranjados, não duvide!
— Vamos ter de escalar também, ai meus pés! Nem aguento chegar ao carro lá embaixo, quanto mais ir pra casa à pé! Ora, tio, não vamos fazer subidas tão perigosas com o senhor? – temeu o pato preguiçoso.
O velho tio olhou pro seu sobrinho de alto a baixo, pensando se não seria melhor levar o Gastão consigo para dar sorte, mas viu que a sorte de um patudo almofadinha não serve. A burrice do Donald poderia ajudar a evitar ter de aturar um sorriso na cara do primo de Donald. Ciscou o pé e falou alto com seu sobrinho.
— Nada disso! É só precaução. Podemos até mesmo ter de subir o Olimpo para achar essa caverna enigmática! Agora é tarde e quero que venha aqui amanhã pra acertarmos detalhes. Pardal vai ter de adiantar o serviço até o fim de semana. Esperemos então...
E os sobrinhos do Patinhas se retiraram, os meninos alegres, o Donald meio macambúzio. Só uma coisa o animava um pouco: enquanto estivesse fora não teria de aturar as exigências da Margarida...

Na semana seguinte os patos e Pardal seguiam por mar, numa caranguejola capitaneada pelo Capitão Mobidique cuja tripulação se resumia ao Pato Pimba, e Donald não conseguia entender porque não usavam o aeroplano do inventor. Porém, Pardal não completara a sua invenção e o produto da combustão, por mais valioso que fosse, perdia-se na atmosfera sem possibilidade de recolhimento.
— Eu pensei que os seus técnicos iam facilmente resolver o problema... — arriscou timidamente o Pardal.
— No dia em que as coisas forem tão simples, não me preocupareo mais com Patacôncio e companhia limitada — resmungou Patinhas, contrariado porque mais uma vez as invenções do Pardal não correspondiam às promessas feitas. E para não sofrer vendo uma fortuna se dissipar pelos ares, o velho pato preferira chamar o Mobidique para saldar uma antiga dívida com transporte gratuito, por mais que o Donald enjoasse naquele barco antigo, sacolejante e desconjuntado.
O trajeto passava pelo antigo estreito de Herculapatus (para ficar no espírito da aventura, o quaquilionário procurava empregar os nomes geográficos arcaicos) e passaria nas proximidades do Monte Vesúvio.
Esse detalhe preocupava sobremaneira o Tio Patinhas.


Capítulo 1
NO MEDITERRÂNEO

— Por que não desembarcamos no rochedo? — perguntou Huguinho. — Estamos mais do que cansados dessa viagem, numa caranguejola dessas!
— De forma alguma — respondeu Patinhas, segurando sua moedinha número 1, vendo se ela apresentava alguma mancha. — Seria pura perda de tempo. Me dê uma boa razão para ir até lá!
Nesse momento uma gaivota passou rasante e arrebatou com o bico a moeda que Patinhas segurava sem muita precaução.
— Aí está a boa razão... — murmurou Donald com seu fatalismo, ele achara uma asneira do tio levar a famosa moeda junto. Mas o Tio Patinhas não confiava em ninguém...
O velho pato ficou desesperado.
— Não fiquem aí parados, seus idiotas! Peguem aquela gaivota!
— Somos aves, mas não voamos — respondeu Mobidique, fleumático como sempre.
— Pardal!
— Nessa hora sempre sobra pra mim — queixou-se o inventor. Mas deu carona a Patinhas na versão portátil de seu aparelho voador e os dois mais o Lampadinha sairam ao encalço do ladrão voador.
— Parece que vamos ter que fundear aqui até que o velho pato volte — resmungou Mobidique. —E tomara que ele volte, senão vocês é que vão ter que me pagar!
— E por que ele não voltaria? — perguntou o Pato Donald.
— Porque as autoridades do promontório não gostam muito de invasores e costumam atirar primeiro e perguntar depois.
— Pobre Tio Patinhas! — disse Huguinho.
— Pobre Pardal! — acrescentou Zezinho.
— E pobre Lampadinha! — finalizou o Luisinho.
Mas em certas ocasiões o Tio Patinhas tem uma maré de sorte que até lembra o Gastão e conseguiu retornar do rochedo sem ser visto a não ser pelos macacos que, depois que a gaivota deixou cair a moedinha, disputaram a tapa a preciosidade com o velho pato (diga-se de passagem, o Pardal não fez nada para ajudar, alegando que precisava estar em forma para dirigir o mini-aeroplano). Mesmo com a roupa toda amarfanhada, Tio Patinhas conseguiu retornar triunfante ao navio.
Estava cada vez mais convencido de que Maga Patalógica andava em seu encalço para se apossar da número 1, mas guardou para si seus temores. Afinal de contas, com quem ele podia contar?
Os meninos: muito espertos e corajosos, mas ainda crianças.
Mobidique: nem um pouco motivado nos “ideais” de Patinhas; só lhe interessava o pagamento pelo frete.
O Pato Pimba: dispensava comentários. Era tão burro que não conseguia nem fazer continência ao Capitão Mobidique sem machucar o próprio olho.
Donald: desastrado e inútil na maioria das vezes.
Lampadinha: não passava de um robô anão.
Pardal: seria mais útil se não fosse tão atrapalhado, e suas invenções sempre davam problema.
“Por que é que eu não contratei verdadeiros detetives como Mickey e Berloque Gomes?”
Mas Patinhas sabia bem porque. Sairia caro...
Resolveu guardar para si suas elocubrações. Aquela banheira flutuante do Mobidique era mais lenta que uma tartaruga marinha, mas acabaria chegando lá. O negócio era afastarem-se logo de Gibraltar, pois a tentativa de furto da moedinha cheirava muito a Maga Patalógica; e em nenhuma hipótese se aproximarem do Vesúvio.
Todavia, Patinhas acabou relaxando a guarda quando o calor do Mediterrâneo lhe deu sono e certa manhã os patinhos o sacudiram, inquietos. O valho pato abriu os olhos e viu, pela janela de seu alojamento, que estavam ancorados junto a terra firme!
— O que! Já é a Grécia? Mas é muito cedo...
— Que Grécia o que, Tio Patinhas! Mobidique nos disse que é a Sardenha! Uma ótima oportunidade para conferirmos um pouco nosso Manual do Escoteiro!
— Quac! Que negócio é esse? Para que esse desvio de rota?
Tio Patinhas saiu correndo, derrubou Donald de passagem e alcançou Mobidique, que aprestava um bote para descer em terra:
— Que negócio é esse, Mobidique? Nós temos de ir para a Ática e não esqueça que estou longe de meus negócios, controlando tudo por laptop, mas mesmo assim...
— Senhor Patinhas, desculpe mas sou um velho marujo e nasci aqui na Sardenha, onde tenho meus parentes, o senhor não pode me proibir de fazer uma rápida visita...
— Rápida, você diz? Quanto tempo?
— Não muito, só algumas semanas...
— Está bem. Vá, mas sem o bote!
E asim dizendo atirou o Mobidique na água.
— Que história é essa? Eu sou o capitão! Posso fazê-lo andar pela prancha, julgá-lo por motim e enforcá-lo no mastro principal do meu navio...
— Não quero saber! Você pode pensar que ainda é um capitão do século XIX mas estamos no século XXI e isso aqui nem é um navio, é apenas um barco e bem estragado! Não estou pagando para você fazer visitinhas!

CAPÍTULO 2
GRÉCIA, FINALMENTE!

Depois disso o relacionamento entre Patinhas e Mobidique terminou de azedar. O Tio Patinhas não confiava inteiramente em Mobidique e nem sabia se ele era de fato um pato ou alguma outra coisa, tipo uma gaivota, tão esquisito e anti-palmípede era o seu bico. Pimba era um zero à esquerda e não atrapalhava ninguém, a não ser a si próprio (Huguinho, Zezinho e Luisinho, à falta de coisa melhor pois nem tinham espaço para pique ou pique-esconde, divertiam-se contando as vezes em que Pimba tropeçava nas suas próprias calças compridas). Mobidique, porém, era por demais grosso e mal-humorado e Patinhas apenas o tolerava, pois precisava dele.
A expedição dirigiu-se portanto, sem demora, à peninsula grega, após a rápida parada na Sardenha, onde Mobidique se dirigira correndo à aldeia, cumprimentara aos gritos os parentes que não entenderam nada e regressara correndo e ofegante ao barco, pois mais que isso não lhe fôra autorizado...
Patinhas não autorizou Pardal a testar o seu aviãozinho. Se houvesse algum problema (como normalmente havia nas invenções do Pardal) o aparelho se perderia no mar. Era melhor reservá-lo para terra firme, quando fosse necessário chegar até a famosa caverna.
No dia seguinte à intempestiva “visita” de Mobidique à sua gente, os meninos acercaram-se de Patinhas, sempre muito impaciente com a viagem, e Luisinho observou:
— Tio Patinhas, o senhor deveria ler um pouco do nosso Manuel do Escoteiro-Mirim!
— E vocês acham que nesse livro moderno tem alguma coisa que um velho e experiente pato viajante como eu não saiba?
— Mas claro, tio! — respondeu Huguinho. — Para início de conversa, já que o foco é o filósofo Patão, o senhor deve conhecer mais sobre os grandes nomes que fizeram a fama da Grécia como a terra dos sábios. Olha só, aqui neste nosso livro fala de Patódoro, Socrápatus, Patius de Mileto, Arquispardal (desconfiamos que é um antepassado do professor aqui), Aristópatus e até um casalsinho muito estranho, Donálicusa e Dornalduso... nos lembram alguém...
— Tá, vou dar uma olhada, mas não pensem que eu não conheça nomes gregos! Já estive aqui várias vezes e até comprei certa vez uma estatueta do poeta Homerópatus!
E a viagem prosseguiu. O mar andou meio agitado, de modo que Donald e até Pardal ficaram meio verdes de enjôo. O pior foi que o Pimba enjoou ainda mais o que, na abalisada opinião de Patinhas, era imperdoável, já que se tratava de um pato do mar.
Finalmente, alguns dias depois (por que fui contratar uma lesma marítima, censurava-se Patinhas) o barco “Estrela dos Mares” (sim, não tínhamos dito que a caranguejola de Mobidique tinha nome e dos mais banais), depois de passar pelo Canal de Corinto, chegou finalmente a Atenas, na província de Ática. E sim, a aventura teria de ser mesmo na Ática. Lá, mais para o interior, ficava a famosa Caverna de Patão.
Mas algo desagradável estava reservado para os viajantes. Mobidique cercou o Tio Patinhas e expôs sua proposta;
— Patinhas, com certeza vai precisar de gente e portanto eu deixarei o Pimba cuidando do navio e o acompanharei. Afinal, sou um marinheiro dos dezesseis mares (quase todos só se dizem de sete mares) e conheço bem a Grécia.
— Isso não está nos meus planos, Mobidique. Nosso contrato termina aqui.
— Mas como? Você vai precisar de ajuda para transportar o tesouro...
— Que tesouro?
— Ora vamos! Um arquimilionário como você só faria uma viagem dessas...
— Por interesse arqueológico, é claro.
— Eu também tenho interesse arqueológico. Portanto...
O Tio Patinhas nunca foi páreo fácil em discussões e não estava nada disposto a levar a pior, então foi incisivo:
— Já estou com gente demais comigo e com certeza não quero acabar mendigando pelas ruas de Patópolis por ter dividido todo o meu rico dinheirinho com gente de olho grande! Já te dei o cheque, então se for por falta de adeus...
— Você está fazendo pouco de mim, se acha que não tenho alma de aventureiro... e uma oportunidade dessas... achar a lendária Caverna de Patão... que centenas de pessoas procuraram em vão...
Patinhas virou-lhe as costas e deixou o capitão falando sozinho. Mas ao descer, acompanhado pelo Pardal e Lampadinha, arrependeu-se. Esperava naturalmente que seus sobrinhos-escravos trouxessem toda a bagagem. Em vez disso ela veio voando lá de cima.
— Ei, que negócio é esse? Vai quebrar as nossas malas! Donald, por que não detém esse maluco?
— Aqui vai mais um traste! — e assim dizendo o Mobidique lançou também o Donald barco abaixo, na água, já que o pobre pato, de tão enjoado, não podia nem se defender.
Os três patinhos pularam na água e resgataram o Tio Donald; Patinhas ajudou a puxá-lo para o cais e quando pensou em subir de volta ao barco para acertar contas com Mobidique, já era tarde: o “Estrela dos Mares” já se afastava.
— Algum dia eu acerto com esse sujeito! Mas isso não importa agora. Vamos prosseguir que é melhor!
Incomodava-o, porém, que a sua chegada fosse tão escandalosa.

.............................................................................................

Mas Patinhas era prático demais para ficar remoendo essas coisas. Era um pato de ação, e assim comboiou o grupo pelas ruas cheias de gente de Atenas, resolvido a comprar algum equipamento e víveres necessários, começando porém por se instalar num velho hotel de sua propriedade, onde evidentemente não precisava pagar hospedagem. Afinal, a Patinhas Enterprise estava presente pelo mundo inteiro ou quase...
Depois de instalados sairam pela rua pois Patinhas, que não gostava de deixar ninguém descansar, queria comprar algumas coisinhas necessárias para prosseguirem viagem, inclusive baterias que seriam necessárias ao Pardal, que pretendia primeiro realizar alguns aperfeiçoamentos em seu aparelho voador.
Mas quando circulavam por uma das avenidas centrais de Atenas, ocorreu um singular incidente.
Primeiro escutaram gritos de “Pega! Pega”. Patinhas e Donald julgaram reconhecer a voz de falsete, mas antes de poderem avistar fosse o que fosse um corpo pesado esbarrou violentamente nos dois, jogando-os ao chão. Incrédulo, Donald olhou o pesado corpo que também caíra:
— Mas é o João! O João Bafodeonça! Que está fazendo aqui?
— Ia lhe fazer a mesma pergunta, idiota! — e assim dizendo, e erguendo-se rapidamente e recolocando seu boné, Bafodeonça tratou de escafeder-se sumindo na multidão. Pardal ajudou Patinhas a se erguer e, sem nenhum aviso, foram os três trombados por outros três corpos, de modo que se viram seis corpos no chão (mais o Lampadinha agarrado á gola do inventor), de modo que os três patinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho nem sabiam mais a quem socorrer.
Mas todos reconheceram os três recém-chegados e esbarrados: Mickey, Pateta e Berloque Gomes.
— Que história é essa? — berrou o Tio Patinhas. — Um cidadão honesto não pode mais passear honestamente pela rua sem ser seguidamente esbarrado e derrubado?
— Desculpe, senhor Patinhas — procurou explicar-se o Mickey. — Nós estávamos tentando pegar o João Bafodeonça, estávamos muito apressados...
— E vocês nos atrapalharam — acrescentou o detetive Berloque, muito sério, segurando seu cachimbo.
— O que é que o João fez? — indagou o Pardal, mas não logrou resposta. O trio estava muito apressado, pediram licença e saíram quase voando, esbarrando em outras pessoas...
— Tínhamos que encontrar com esse roedor! — resmungou o Donald, sacudindo a poeira.
— Ora, tio! — protestou o Luisinho. — O Mickey é muito legal, gostamos dele!
— O Pateta também é muito legal e também é engraçado! — acrescentou o Zezinho.
— Só o Berloque Gomes a gente conhece pouco... — completou o Huguinho.
O Tio Patinhas decidiu a questão:
— Bem, não importa! Não temos nada com os problemas deles, desde que não fiquem trombando com a gente. Vamos adiante!
— Tio Patinhas — observou Huguinho — nós não vamos ver o Panteão, o Olimpo, a Acrópole, todos os monumentos...
— O que vocês estão pensando? Acham que eu vim aqui fazer turismo? Não temos tempo para isso e nem dinheiro para comprar “souvenirs”. Vamos só comprar equipamento e seguir viagem!
— Tio Patinhas — insistiu Luisinho — o senhor já conhece tudo por aqui, nós não conhecemos nada...
— Então façam de conta que estão fazendo turismo... pois vamos passar por muitos lugares, mas dentro da nossa missão! Não vai haver nenhum desvio!
A vontade do Tio Patinhas era lei...

.....................................................................................

Para os patinhos, ansiosos por conhecer os locais descritos no Manual do Escoteiro Mirim, a frustração foi enorme. Em vão eles falaram sobre a Acrópole, o Partenon, a Academia de Patão, o Liceu de Aristópatus, o Aerópago, o Mosteiro de Dafne, sobre a população do município de Atenas (700.000 aproximadamente) ou da área metropolitana (já quase 4 milhões) e tudo o mais que dizia no manual. Em vez de ir a tais lugares famosos, Tio Patinhas preferiu visitar lojas de ferragem, de “camping” e até um supermercado, pois precisavam levar víveres não-perecíveis. O velho pato estava doido para deixar Atenas para trás, temendo estar sendo seguido. Pois, se vocês ainda não repararam, o Tio Patinhas é paranoico. O incidente da gaivota em Gibraltar, a briga com Mobidique, o esbarrão com um criminoso de fama, tudo isso havia grilado Patinhas, e ele só quis ficar o tempo estritamente suficiente para comprar os equipamentos necessários e descansar um pouco. A comida comprada seria cozinhada pelo Donald, nos acampamentos que armassem; afianl Donald cozinhava em casa para si e para os sobrinhos, por falta de opção; quisesse ou não, seria o cozinheiro do grupo. E Donald, embora soubesse cozinhar, odiava ter que fazê-lo. Dizem as mais línguas que é por isso que ele posterga tanto o casamento com a Margarida: por saber que ela não gosta nem um pouco de cozinhar...

CAPÍTULO 3
RUMO À CAVERNA

Por tudo o que foi dito vocês podem imaginar que, ao ter início a jornada final, o mais aborrecido e contrariado membro da expedição era o Pato Donald. Embora o mau humor do Tio Patinhas seja habitualmente muito pior, não se exterioriza como enfado à própria vida e situação. Como pato de ação, Patinhas se irrita facilmente com a estupidez ou teimosia de seus auxiliares, mas dificilmente se aborrece com situações que ele mesmo busca. Para ele, as dificuldades são um desafio; para o Donald, só falta imitar o Hardy Har Har e ficar resmungando “Oh dia! Oh azar!” Quantos aos meninos, para eles é festa. Pardal fica muito ocupado com suas elocubrações científicas para perder tempo com questões existenciais. E o Lampadinha... bem, o Lampadinha é um mini-robô e seu cérebro é inteiramente lógico (mais até que o Sr. Spock).
Por isso, o mais entusiasmado e ansioso era mesmo o pato milionário, que estudou com Pardal, no mapa da Grécia, o melhor trajeto para seguir pelo “pardalcóptero” até a região onde deveria se encontrar a famosa caverna.
Para não chamarem muita atenção levaram o aparelho desmontado e o resto da bagagem num caminhão de uma das empresas Patinhas (a Patinhas Empreendimentos Helênica) pela estrada até chegarem a uma região bastante deserta, onde saíram no acostamento e o Pardal “inflou” seu invento hipersônico ainda que não fosse um balão (como vocês devem saber, com o Pardal tudo é possível). Então todos embarcaram, o professor deu algumas instruções ao seu “co-piloto” Lampadinha (sempre muito atento e piscando e zumbindo) e inicou uma rápida contagem regressiva para a decolagem.
— Agora é que realmente começa a nossa aventura! — exclamou Patinhas, entusiasmado.
Mas alguém observava tudo a distância...

............................................

— Pardal — observou o Donald, de novo enjoado — você não inventou uma pílulas contra enjôo?
— Eu sabia que tinha esquecido de trazer alguma coisa — respondeu o inventor, mais preocupado em ajustar o leme da aeronave.
— Tio, cuidado, você vai virar Hulk — disse o Luisinho, vendo como o infeliz pato estava verde. Realmente o aparelho de Pardal jogava muito.
Pouco interessado no enjôo do sobrinho, Patinhas examinou o mapa. Seguiam para o Desfiladeiro das Lendas, que seguia entre duas montanhas escarpadas na região montanhosa de Ática, e por onde passavam bodes escaladores, tropeiros, caravanas, praticantes de escalada e por aí afora. Uma região complexa e quase árida de habitação, até hoje. A temperatura podia ser fria em alguns invernos, naquela pequena versão dos Alpes Suíços, bem menos frígida. Dúzias de cavernas em diversas altitudes e caravanas turísticas o ano inteiro, inclusive buscando a famosa caverna. Para o Donald tanta concorrência seria motivo de desânimo mas não para Patinhas, acostumado a ser um vencedor.
Uma coisa porém logo contrariou o pato quaquimilionário: o dia começava a declinar.
— Pílulas, Pardal... eu imaginava que sua aeronave era mais rápida que uma carroça, mas...
— Seu Patinhas, nessa região venta muito e é arriscado fazer uma velocidade maior. Aliás para que tanta pressa?
— Você ainda pergunta? Daqui a pouco vai anoitecer e nós não vamos conseguir descobrir a caverna hoje!
— Ué, a gente acampa em qualquer lugar...
— Mas pode ser perigoso! Numa região dessas podem existir feras...
— Não, seu Patinhas. Leões e leopardos, o senhor encontra na África. Tigres, na Ásia. Aqui é a Grécia. E na Europa nem lobos mais a gente encontra...
— Mas perigos existem. Minha experiência de 50 anos de aventuras não me engana. Eu farejo o perigo.
— Tio Patinhas — implorou o Donald, no fundo do barco voador — pelo amor de Deus, deixe o Pardal pousar para a gente acampar. Não aguento mais de enjôo...
— Isso é que dá viajar com fracotes — queixou-se Patinhas. — Se pararmos agora, algo me diz que vamos ter problemas.
— Mas nós vamos ter que fazer isso. Senão, vamos acabar tendo de levar o Donald para um hospital — observou o Pardal, já meio preocupado.
Patinhas afinal se conformou. Teria de deixar a descoberta da caverna para o dia seguinte. E teriam de levantar bem cedo, tão logo o sol raiasse...
O sono daquele pessoal foi muito variado. Os três patinhos dormiram como anjos. O Donald, esgotado pelo prolongado enjôo, mas já aliviado, dormiu como uma pedra. Pardal sonhou a oite inteira com problemas matemáticos. Quanto ao Lampadinha, bastava desligá-lo. Mas Patinhas... esse passou a noite tendo pesadelos, perseguidos por feras horríveis, monstros e Irmãos Metralhas...
O dia mal começava a raiar quando o Pato Donald, afinal mal desperto, escutou um ruído muito estranho. Quando conseguiu abrir direito os olhos, meio colados de remelas, não acreditou no que estava vendo.
O pardalcóptero estava levantando vôo. E dentro dele...
Era apenas um vulto mal entrevisto mas alguma coisa despertou no Donald, que num impulso resolveu abandonar a postura fatalista e inútil que vinha mantendo. Afinal, já não sentia enjôo.
— O meu tio vai ter que reconhecer que eu presto para alguma coisa — pensou, e correu de pijama mesmo até o aparelho e conseguiu agarrar-se na fuselagem.
— Pare, tratante! — exclamou, e derramou-se no banco de trás.
— Para fora, intrometido! — exclamou uma voz rouca de ave rapineira. — Pule fora imediatamente!
Mas o aeroplano maluco do Pardal já levantara vôo e Donald, não só não iria obedecer a semelhante ordem, porque não era besta, como também já se havia arrependido de seu assomo de heroísmo.
— Professor Gavião! — disse afinal. — O que está fazendo aqui?
— Ora o que! Roubando o aparelho do idiota do seu amigo, é claro!
— Mas o que você veio fazer na Grécia, como soube que estávamos aqui...
— Muito simples, Donald. De vez em quando eu espiono o Pardal e fiquei curioso com essa viagem.
— Mas como nos seguiu até aqui...
— Bem, eu conversei com um tal de Mobidique...
— Aquele traidor...
— Ora, para que pensar mal dele? Eu o enrolei direitinho. Disse a ele que era amigo do Pardal, um colega cientista... afinal eu sou mesmo cientista... que combinara encontrar com ele e ajudá-lo... Mobidique falou o que sabia... é bem verdade que ele se convenceu muito rapidamente das minhas nobres intenções, o que é que o Patinhas fez a ele?
— Quac! Pouse imediatamente, seu bandido! Não vou deixar que você chegue na nossa frente na caverna de Patão!
— Você continua burro como sempre, Donald! Acha mesmo que eu vou perder o meu tempo nessas baboseiras? Não sou o maníaco do Patinhas. Sou apenas um inventor corrupto e invejoso e que adora roubar os inventos do bem sucedido Pardal.
— Só que você não vai roubar coisa alguma! Eu o impedirei!
— Quem? Um tampinha como você?
— Ué, e você não é mais tampinha ainda que eu?
— Talvez, mas eu sou o tampinha que está no comando da nave! Por falar nisso, Donald, colocou o cinto de segurança?
— Cinto de segurança? O Pardal não colocou cinto no banco de trás!
— Era só isso que eu queria saber, idiota!
E assim dizendo o Gavião pôs-se a executar manobras loucas, visando jogar fora o infeliz pato...

EPÍLOGO
A CAVERNA

Donald chegou a cair, mas agarrou-se desesperadamente a um penduricalho incompreensível qualquer, dos diversos que se encontravam na geringonça do Professor Pardal. O pior é que a peça, cuja finalidade escapava completamente ao pobre pato, tinha molas e o resultado é que Donald ficou balançando no ar, grasnando como um doido. Irritado, o Professor Gavião largou a mão esquerda do manche e sacudiu-a em punho, berrando:
— Cai logo, desgraçado! Por que você não cai?
— Quac!
A resposta de Donald fôra completamente insatisfatória, mas Gavião não pôde mais se preocupar com o problema do pato: ao perder a calma esquecera de manter controle firme no aparelho e, com uma só mão, não conseguiu conservar a estabilidade do vôo. Sentiu-se arremessado, mal seguro por um cinto exageradamente frouxo, o aeroplano, desgovernado, executou manobras malucas e por fim, bateu na ponta de uma rocha, arremessando o vilão para longe, até aterrissar num ninho de águia cuja dona estava alimentando os filhotes. E vocês sabem que não se brinca com uma águia quando ela dá comida à prole.
Enquanto o Gavião levava a maior sova da águia, o pardalcóptero desgovernado, ainda com o Donald pendurado e desesperado, bateu num rochedo e surpreendentemente acabou entrando através de um matagal espesso, pois atrás não era rocha sólida. Quando o Donald recuperou os sentidos viu que estava dentro de uma estranha caverna, ao lado dos destroços do aparelho voador. Alguma luz solar se filtrava pelo buraco na vegetação trepadeira que o aparelho fizera ao entrar.
— Bonito! Sem o pardalcóptero como é que a gente vai voltar?
Mas nesse ponto o Pato Donald teve a maior surpresa, olhando em volta...
.........................................................................................
Mais de uma hora depois, um extenuado Tio Patinhas seguia pelo vale pedregoso, acompanhando a custo o Pardal com os garotos. O Lampadinha ia no ombro do inventor.
— Vá mais devagar, Pardal, ora bolas! Você sabe que eu já não tenho mais oitenta anos!
— Calma, seu Patinhas! Estamos chegando perto!
Pardal, como inventor previdente que era, instalara um chip no seu aeroplano e o seguia agora com um rastreador eletrônico. A indicação era de que o avião havia pousado.
— Vejam! Vejam lá em cima! — exclamou de subito o Zezinho, apontando.
Sinais de fumaça vinham do que parecia ser uma entrada de caverna. Uma certa inclinação do rochedo indicava que se podia chegar lá sem precisar praticar alpinismo.
— O trapalhão está lá então? Vamos, o que estamos esperando?
— Mas seu Patinhas — objetou Pardal — o senhor acabou de dizer que está cansado...
— Não é hora de pensar nisso! Sinto que estamos perto de nosso objetivo!
Realmente, ao chegarem enfim à platibanda que dava entrada à caverna encontraram o Donald à espera, junto de uma fogueira. Pardal, porém, ficou desolado ante os danos de sua máquina. Donald contou rapidamente o entrevero com o Gavião.
O Tio Patinhas pareceu desprezar tal inimigo:
— Que eu me lembre o Gavião nunca se meteu comigo. Tinha que ser com o Pardal mesmo. Para mim é uma decepção, estava me aprontando para enfrentar os meus habituais inimigos como os Metralha, a Maga, o Pãoduro Macmoney, o Patacôncio e até o Porcolino Leitão... mas o Professor Gavião? Bah! É tão insignificante que até o Pardal cuida dele!
— Obrigado, se é que isso é um elogio — respondeu o inventor, constrangido.
Patinhas entrou na caverna, ora bem iluminada porque as plantas haviam sido arrombadas pelo nariz do aeroplano.
— Será esta a caverna que procuramos?
— Sem dúvida, Tio Patinhas! — exclamaram em uníssono os patinhos. — Veja a inscrição na parede!
— Vamos traduzi-la com nosso manual do escoteiro! — disse Luisinho.
— Esperem, meninos, talvez eu possa traduzir com meu micromulti de bolso... — interveio Pardal.
— Sem chance! — Patinhas adiantou-se, com ares de superioridade, e explicou: — Vocês esquecem que eu viajo pelo muito há décadas, que aprendi inúmeros idiomas e certamente o grego? Acham que eu preciso de ajuda?
Ninguém teve o que responder e Patinhas pôs-se a ler a inscrição:
— “A quem possa interessar: sou o filósofo Patão e deixo aqui nesta caverna que tantas vezes utilizei em minhas aulas secretas, toda a síntese das minhas doutrinas para serem apreciadas pelas gerações vindouras. Neste pequeno baú de cobre acham-se os pergaminhos com todo o meu acervo de sabedoria, incluindo livros que nunca foram mostrados e conhecimentos importantíssimos. Aquele que vier a achar este tesouro, que faça bom uso dele!”
— O baú de cobre... — o velho pato olhou em volta e localizou o objeto em questão, porém encontrava-se aberto e vazio.
— Não há nada aqui! Mas devia estar cheio de pergaminhos! Que fim eles levaram? Será que alguém já esteve aqui antes?
— Tio... sabe... — começou o Donald, mas Patinhas não lhe deu atenção.
— Será coisa da Maga Patalógica? Pardal, você tem como verificar se alguém esteve aqui recentemente?
— Não precisa, seu Patinhas. Não percebeu que esssa fogueira do Donald cheira a pergaminho queimado?
— O que?????
Patinhas fuzilou o olhar para o sobrinho que, embaraçadíssimo, apenas pôde balbuciar:
— Eu... sabe, Tio Patinhas, eu precisava fazer uma fogueira para chamar vocês, também estava muito frio, e essa folhagem estava muito molhada para queimar...
Apesar de seu raciocínio normalmente ser veloz, desta vez Patinhas custou um pouco a absorver toda a informação. Ele correu até a fogueira que ainda queimava e pôs-se a dar-lhe inúteis bengaladas. Os patinhos e Pardal vieram ajudar e conseguiram apagar de todo o fogo. Remexendo nas cinzas, o velho pato constatou a inutilidade dos esforços.
Mesmo sendo um pato cheio de penas, foi ficando verde... seus olhos viraram espirais se movendo, e afinal ele tombou ao chão. Luisinho, aflito, dirigiu-se ao inventor:
— Pardal, você consegue consertar a sua geringonça? Temos de levá-lo de volta a Patópolis!
— Acho que consigo... tudo no fim sou eu que tenho de resolver, mesmo...
Semanas depois do ocorrido o Tio Patinhas saiu da UTI e dizem que sua primeira providência foi riscar o nome do Donald do testamento...


APÊNDICE

Os personagens desta fanfic são criações de Walt Disney e de seus auxiliares e sucessores, Carl Barks e outros.
PATO DONALD (Donald Duck) – criado por Walt Disney em 1934, estreou no desenho curto “A galinha esperta” e durante muitos anos foi dublado por Clarence Nash, que fazia a inconfundível voz grasnada. Donald é conhecido por seu azar e seus ataques de raiva.
TIO PATINHAS (Uncle Scrooge) – com o mesmo nome original do personagem de Charles Dickens, foi criado em 1947 por Carl Barks, desenhista dos estúdios Disney, estreando na HQ “Natal nas montanhas”. É o pato mais rico do mundo, praticamente controla Patópolis mas é extremamente usurário, além de explorar seu sobrinho Donald pagando-lhe misérias por serviços arriscados.
HUGUINHO, ZEZINHO E LUISINHO (Huey, Dewey e Louie) são os trigêmeos, sobrinhos de Donald e filhos de sua misteriosa irmã gêmea, Dumbela. Com frequência eles são mais espertos que o tio e se orientam pelo Manual do Escoteiro-mirim. Criados em 1937 pelo desenhista Al Taliaferro e Walt Disney.
CAPITÃO MOBIDIQUE (Moby Duck) – criação da equipe Disney em 1967 – um pato marinheiro e por isso tem lá suas afinidades com Donald, apesar dos incidentes desta fanfic.
MICKEY MOUSE – criação do próprio Walt Disney em 1928, é a locomotiva do universo Disney. Centrado e certinho, é o personagem em quem todos podem confiar.
PATETA (Goofy) – criação de Walt Disney e Art Babbitt em 1933, é o amigo atrapalhado do Mickey e não propriamente burro, mas dono de uma lógica sui-generis, engraçadíssima (“Vou ter que mandar consertar essa campainha: ela sempre toca quando estou no banho!”).
BERLOQUE GOMES (Shamrock Bones) – sátira a Sherlock Holmes de Conan Doyle, Berloque é um detetive tranquilo que costuma ajudar Mickey e o Coronel Cintra, usando seus poderes dedutivos. Criado por Riley Thomson em 1952.
PATO PIMBA (Dimwitt Duck) é um personagem meio desmiolado surgido nos quadrinhos Disney em 1968, constante auxiliar do capitão Mobidique.
JOÃO BAFODEONÇA (Peg-Leg Pete) – criado por Walt Disney em 1925, nos desenhos da série Alice, mais tarde, em quadrinhos e desenhos, tornou-se o eterno inimigo de Mickey.
PROFESSOR GAVIÃO (Emil Eagle) – personagem menor do universo Disney, surgiu em 1966 como inimigo do Professor Pardal, e conhecido como “o inventor do mal”.
PROFESSOR PARDAL (Gyro Gearloose) – também criação de Carl Barks (1952), que elaborou o universo de Patópolis. É um inventor genial mas desastrado, pois suas invenções mirabolantes sempre apresentam algum ponto fraco.
LAMPADINHA (Little Helper), outro personagem de Carl barks, surgiu pela primeira vez em 1956. É um robozinho minúsculo, considerado o assistente de Pardal. Não fala.
DONA COTINHA – criação de Carl Barks e sem grande destaque, é uma secretária do Tio Patinhas.
PLATÃO (+- 428-348 AC) é um grande filósofo grego. A “caverna de Platão” (Platão, não Patão) é uma célebre metáfora vista em seu livro “A República”: indivíduos confinados numa caverna a vida inteira, só tem idéia do mundo exterior pelas luzes e sombras projetadas numa das paredes por uma fogueira.

FRANCISCO CARLOS AMADO , co-autor desta fanfic, é um pesquisador e colecionador residente no Rio de Janeiro. Entende de quadrinhos Disney e outros, bem como desenhos animados em geral, animês e mangás, cinema antigo e moderno, fatos científicos e históricos, lendas, literatura nacional e estrangeira, é difícil encontrar um assunto em que ele não tenha conhecimento e opinião. No Recanto das Letras assina como o avatar Jurubiara Zeloso.





imagem google da franquia (Tio Patinhas)
busto em bronze de Platão: pixabay/mvivirito0