NADA MAIS DO QUE DEUS
De noite meu pai contava
para toda a vizinhança
esta história que encantava
adulto, jovem e criança.
Sentávamos no salão,
geralmente às quartas-feiras,
não tinha televisão
só bolo de macaxeira.
Todos com atenção total
pra ouvir tintim por tintim
e meu pai sentimental
começava o conto assim:
Um rei, de nome Faloque, pai de uma linda princesa chamada Micaela, possuía extensas terras, palácios, tesouros e tinha prazer em humilhar seus súditos, confiscando, isto é, se apossando da produção de legumes, frutas, plantações, animais, peixes, ouro, prata e pedras preciosas dos trabalhadores. Estes sofriam com seus maus tratos, pois mandava os serviçais cortar a comida e as guloseimas dos seus filhos.
Em suas terras havia um homem bondoso, pescador robusto e temente a Deus, de nome Amadeu; morava em uma choupana coberta de ramos de árvores na beira de um rio e gostava apaixonadamente da Micaela, jovem na flor da idade, cabelos loiros e longos, de beleza parecida com a da aurora ao abrir caminho para o nascer do sol. Escondido, ele sempre apreciava sua beleza quando ela passeava pelos jardins do palácio. O rei soube disso através de um mordomo e mandou chamá-lo para ordenar sua morte, pois considerava um abuso um pescador se engraçar com sua filha princesa.
Aos tapas e pontapés ele chegou ao palácio sem desconfiar de nada. O rei disse-lhe: “ousaste olhar para minha filha por isso vais morrer de fome e sede no cárcere.” Amadeu apenas respondeu-lhe: “nada há mais do que Deus!”. Muito zangado o rei retrucou: “então acreditas que existe alguém mais poderoso que eu?” E Amadeu disse humildemente: “nada há mais do que Deus!”.
A princesa ali presente implorou ao pai pela vida do pescador, pois já tinha visto o rapaz e simpatizado com ele. Não querendo magoar a filha, a quem adorava, o rei disse-lhe: “perdoarei esse pescador se ele levar meu anel valioso, símbolo do meu reinado, guardá-lo por três dias e no fim desse prazo me trouxer sem nenhum arranhão. Ainda ganhará um dos meus palácios e a mão de minha querida filha em casamento.” Micaela vibrou de alegria porque também gostava de Amadeu.
E assim feito e combinado o modesto pescador levou consigo o precioso anel e chegando em seu casebre colocou-o em uma latinha forrada e coberta com folhas. Acontece que o malvado rei mandou atrás de Amadeu um dos seus criados muito mau, o Faruk , para ver onde seria guardado o anel para de noite roubá-lo e jogá-lo no rio. Na segunda noite Faruk esperou o pescador dormir levou o anel e atirou-o ao rio, conforme a orientação do rei. No terceiro dia, ao despertar, Amadeu não encontrou o anel na latinha; ficou surpreso mas não se abalou e disse baixinho: “nada há mais do que Deus!” Como não sabia o que fazer pensou em pescar um saboroso peixe para o almoço; pelo menos morreria sem fome. E lá foi ele para o rio. Pescou uma piramutaba e uma tainha e ao chegar a casa, ao preparar para cozinhar, encontrou dentro da piramutaba o anel real brilhando como um sorriso de criança. Amadeu levou para o rei no dia e hora marcados; ao ver o anel o soberano ficou pasmado, admirado e teve de cumprir a promessa feita à filha reconhecendo que: nada há mais do que Deus!
O rei Faloque arrependeu-se das crueldades praticadas e nunca mais maltratou ninguém. Após sua morte, Amadeu e Micaela já casados e felizes, com lindos filhos, reinaram com sabedoria e generosidade, sendo queridos pelos seus súditos.