Ela chegou
Era uma noite de Abril. As cortinas balançavam e lançavam folhas que desprendiam-se dos galhos da árvore lá fora. Lembro de minha mãe andando graciosamente pela sala, exibindo o volume que sua barriga comportava. É, eu sempre dizia (e acreditava piamente) que ela tinha engolido minha bola de futebol que havia sumido semanas atrás, e que precisava ir ao médico; ela por sua vez, ria alto toda vez que eu tocava no assunto. Não consegui entender quando aquilo foi aumentando de tamanho, mas dei de ombros ao imaginar que eu estava perto de ter minha bola de volta. "Ela esta chegando" era o que eu sempre ouvia, e isso fazia-me descansar de forma tranquila em meu travesseiro, com a promessa refutada. Os olhos de minha mãe brilhavam toda vez que me viam, e eu tinha um prazer particular em tudo aquilo. O contato que minha boca tinha com seus seios cheios de leite (foram meus até os 3 anos) delimitavam toda propriedade que era de MINHA exclusividade, e que estava sempre ao meu dispor para satisfazer meu ego. Havia, entretanto, uma pequena diferença que eu não tardei a perceber: Seus olhos ainda sondavam-me, mas direcionavam-se também àquela barriga cheia de "bola". "Mamãe é menina, mas deve gostar dessa bola em particular" pensei, mudando o foco de minha observação. Mas ela chegou, numa noite de domingo, junto ao temporal que rasgava os ceus da cidade. E não, não era minha bola. Era um pingo de gente (que eu constatei insignificância quando comparei meu tamanho ao seu) que sequer movia o tronco ou mudava de decubito na cama. Vigiei aquela "coisinha" por vários dias, bufando entre as passadas. A adornaram e encheram-na de ouro, e a colocaram em um pedestal imaginário que era representado por aquela cerca com um colchão dentro."Você precisa gostar de Elisa! É sua irmãzinha" recitava meu pai, dando ênfase em cada silaba, demonstrando preocupação em fazer-se entendido. A este ponto da prosa, torna-se evidente que Elisa nunca foi agradável aos meus olhos, e que eu nunca medi esforços para despacha-la para qualquer lugar longe dos meus pais. Certa vez, a tranquei no guarda-roupa para que ela pudesse ser aceita em Narnia e nunca mais voltar; não preciso dizer que não deu certo, apenas confirmou minha teoria de que ela não tinha majestade suficiente para conseguir algo grandioso. Hoje, tenho 5 anos, e elisa 2. Ela continua por aqui: é bajulada por cada palavra mal dita -ou seria maldita?- e por cada passo desengonçado. Mora aqui, e divide o quarto comigo, mas se tudo der certo, não por muito tempo, afinal, por esse meu desvio comportamental tenho um advogado que me justifica. Ja ouviu falar que Freud explica?.