O Rei das Feras
— Hora de dormir, Reinaldo — disse mamãe.
Para ela, era fácil falar. Eu estava elétrico na sala, brincando com meus carrinhos para matar o tempo e tentar esquecer o dia de amanhã. Dormir, para mim, queria dizer o fim de um dia e o começo do próximo. Só que o dia seguinte era uma data que eu não poderia esperar.
— Mãe, deixa eu brincar só mais um pouquinho... — pedi.
— Nem pensar. Amanhã você vai levantar cedo e ir para a festa. Esqueceu?
E tinha como esquecer? Amanhã era a festa a fantasia na escola. Eu iria com uma fantasia que mamãe me disse que havia pertencido ao meu avô: uma roupa de lobo com uma coroa. Quando a ganhei, informaram que vovô chamava aquela roupa de Rei das Feras.
— Sua bisavó me contava que o seu avô adorava vestir essa roupa quando tinha a sua idade — disse mamãe, na manhã em que me deu a fantasia. — Ele brincava por horas no sítio onde viveu. Falava para todos que via várias criaturas.
Chegando ao meu quarto, vi a roupa em cima de uma cadeira. Mesmo sendo velha, estava bem conservada. E a coroa ainda brilhava.
Coloquei meu pijama. Mamãe me pôs na cama, me cobriu e me deu um beijo na testa. Depois apagou a luz e fechou a porta do meu quarto.
No escuro, eu não tinha nada para ver. Só podia ouvir. Mamãe deu mais alguns passos pela casa antes de apagar todas as luzes e ir dormir também. Depois, silêncio total.
A luz da rua – ou da lua? – entrava pela janela de forma bem fraquinha, mas ajudava a ver uma ou duas coisas: o meu armário de roupas, minha cesta de brinquedos, minha mesa com meus desenhos... e a cadeira com a fantasia e a coroa, que brilhava como um vaga-lume.
Saí debaixo das cobertas e andei na ponta dos pés até a cadeira. Coloquei a fantasia por cima do meu pijama e, assim que coloquei a coroa, só dei uma piscada, e algo incrível aconteceu.
Já estava de manhã. Eu estava no meio de uma floresta ao lado de um rio com vários animais. Dragões, unicórnios, fadas, duendes, lobisomens, gigantes, sacis, mulas-sem-cabeça e muitos outros tipos me olhavam com um ar de surpresa.
— O rei voltou! – gritou um dos dragões.
Todos fizeram uma roda ao meu redor, além de aparecerem mais criaturas de outras partes da floresta ou do rio. Até uma sereia veio à areia para me ver.
— Eu sabia que um dia ele ia voltar! – disse um saci.
— Mas ele parece diferente... – comentou o lobisomem.
— Será que ele ainda se lembra de nós? – perguntou o unicórnio.
Eu olhava todos eles me encarando e fiquei com medo. Como todos estavam ao meu redor, não tinha para onde fugir. Sem saída, me encolhi colocando a cabeça entre os joelhos e comecei a chorar.
— Oh, não! O rei está chorando! – ouvi alguém falar.
— A culpa é sua, dragão! – disse alguém. — Você o assustou!
— Foi sem querer! – se desculpou o dragão, que reconheci pela voz. — Faz muito tempo que não vejo o rei e fiquei feliz!
— Pessoal, vamos ajudar o rei – pediu alguém. Depois senti um toquinho no meu braço e ouvi a pergunta. — Majestade, você está bem?
Levantei a cabeça e vi uma fada me olhando com uma expressão preocupada. Todos os outros animais atrás dela também pareciam aflitos.
— Quem... são vocês? – perguntei.
— Majestade, o senhor não se lembra de nós? Somos os seus amigos! – respondeu a fada.
Todas as criaturas sorriram. Um duende veio em minha direção e estendeu a mão para mim.
— Levante-se, majestade. O dragão vai te ajudar a se lembrar.
Aceitei a ajuda e fui até o dragão, que abaixou a asa para mim e pediu:
— Majestade, suba nas minhas costas e coloque o meu pescoço entre os seus pés.
Obedeci, e, assim que me sentei, todos aplaudiram. Fiquei mais aliviado. Alguns pareciam assustadores, mas todos eram legais.
— Viu, majestade? O senhor é o nosso rei. O rei das feras – informou o dragão. — Agora se segure que vamos correr.
Segurei firme no pescoço dele enquanto corria. Apesar de ser um dragão grande e gordo, ele corria com bastante rapidez. Alguns animais nos acompanharam por um tempo, mas foram deixados para trás.
Passamos por vários lugares onde outras criaturas me viam e comemoravam a minha vinda.
— Está vendo, majestade? Todos aqui conhecem o senhor e gostaram muito do seu retorno – informou o dragão, passando por um campo aberto que ia em direção a um abismo.
— Senhor dragão..? – chamei.
— Pois não? – perguntou o dragão sem parar de correr.
— Nós vamos cair!
— Majestade, eu jamais deixaria isso acontecer – informou o dragão, abrindo as asas. Ele pulou no abismo e começamos a voar. As criaturas lá embaixo gritavam em comemoração.
— Eu sou o rei disso tudo? – perguntei.
— Sim, majestade. Da mais alta montanha ao mais profundo vale, o senhor é o nosso rei e sempre será bem-vindo aqui – informou o dragão.
Aquele era o melhor dia minha vida. Segurei o pescoço do dragão com as pernas com mais força enquanto abria os braços e sentia o vento. Fechei os olhos e fiquei ouvindo os gritos de comemoração:
— Rei... Rei... Rei... Reinaldo, o que é isso?
Quando abri os olhos, vi que estava em pé na minha cama, com os braços abertos e vestindo a minha fantasia. Mamãe estava na porta e havia acendido a luz. Parecia brava.
— Mãe, eu... – tentei falar, mas era difícil inventar uma boa mentira.
— Eu não quero saber de desculpas! Tire logo essa fantasia e vá dormir!
Obedeci sem falar nada. Tirei a roupa com a coroa, coloquei tudo em cima da cadeira e eu mesmo me cobri. Quando terminei, minha mãe apagou a luz e fechou a porta com força.
No escuro, tomei a decisão de falar para a minha mãe que iria com o uniforme da escola. A professora já havia informado que quem não arrumasse um traje, podia usar uma máscara que ela ia ajudar a criar. Eu ia usar uma.
Aquela roupa era somente para uma ocasião especial.