Reunião Na Selva
- Não podemos nos conformar com essa matança brutal de animais em nossas florestas; precisamos fazer alguma coisa, este reduto pertence a nós e não aos humanos. Eles que fiquem com suas terras cultiváveis e suas cidades exuberantes. A floresta é nossa, é o nosso lar e não permitiremos que nos levem a extinção. Entretanto, confesso, não vejo uma solução à vista.
O discurso do rei leão estava inflamado. Desde as primeiras horas da manhã todos os animais da selva estavam ali reunidos para discutirem as providências no sentido de se acabar com as invasões humanas em seu território. O problema é que não se ouvia nada do que dizia o rei da selva tal a balbúrdia que se formara; todos estavam exaltados, além de estressados ao extremo com o que vinha ocorrendo.
- Está bem, então – disse o leão. Está adiada a reunião. Recomeçaremos amanhã, só que atenderei a uma família animal a cada vez. Que venham os elefantes; serão os primeiros a serem ouvidos. Espero todos aqui às oito em ponto. Tenho dito; bom dia a todos.
Na manhã seguinte ali estavam. Dezenas de elefantes tomavam aquela área da floresta e foram ouvidos pelo rei leão; representou-os o mais velho e respeitado de todos.
- Mestre; não temos onde nos esconder. Não há mais reservas, para todos os lados só se vê hidrelétricas, usinas nucleares. Nossos bebês têm nascido extremamente doentes por causa da poluição e morrem em poucos dias. De dez anos para cá diminuímos drasticamente e vejo um futuro negro para os elefantes. Prevejo que teremos desaparecido do planeta em poucos anos.
O velho animal saiu dali cabisbaixo, pois pressentiu que não haveria solução para o seu caso. Tudo o que disse o leão foi no sentido de acalmá-lo e pedir-lhe paciência e resignação; não havia melhor conselho. Os próprios leões sentiam-se condenados. Não havia mais espaço para eles. Precisavam de grandes áreas para viver e caçar e viam, pouco a pouco, o homem conquistando mais e mais o seu território.
Na manhã seguinte, para a próxima reunião chegaram as aves e, como representante delas, por sua inteligência e força foi a águia a escolhida.
- Gostaria, digníssima majestade, para torná-lo feliz e esperançoso – foi dizendo a bela ave – trazer boas notícias sobre nossas condições depois que os homens invadiram nosso território, mas infelizmente tenho que ser realista. Temos sido a mais infeliz dentre todas as espécies animais. Não conseguimos permanecer dez minutos em pleno voo e já nos sentimos mal com a terrível poluição. Não sabemos mais que atitude tomar para amenizar este mal que nos acomete de uns tempos para cá. O ar anda cinza, sentimos odores os mais estranhos e, mal deixamos nossos ninhos temos que retornar para eles, pois o céu que era, até bem pouco tempo, a maior fonte de lazer e divertimento para nós, é agora campo inimigo, como se não mais nos pertencesse. Ouça esse barulho; são aviões que não deixam de cruzar o espaço por um segundo sequer. Já é sem conta o número de irmãos em asas que desapareceram em pleno ar ao se chocarem com essas máquinas abomináveis. Estamos perdidas e contamos com sua ajuda.
E assim recebia o rei leão, a cada dia, uma espécie animal que lhe vinha relatar o estado em que ficara a partir do momento em que o humano invadiu todos os territórios que pertenciam, por lei natural e divina, aos animais irracionais da face da Terra. Todos, sem exceção, estavam sofrendo com essa interferência. Não havia uma classe de animal que não estivesse sentindo os efeitos da drástica transformação no planeta.
A pujança e a força de todos os felinos; o charme, a harmonia e o encanto colorido das aves e dos pássaros; a organização e a força de trabalho de todos os insetos; como também os anfíbios, os répteis, os roedores e todos os mamíferos. A catástrofe atingira proporções alarmantes. Partes importantes da floresta, onde antes predominava a vida em todas as suas formas, eram agora um cenário de consternação.
Aos leões pertencia uma vasta planície entrecortada de pequenos cursos d’água onde eles exerciam sua atividade de perseguição. De cima de uma pedra, como que descansando, sobre as poderosas garras, a fêmea observava com seu olhar penetrante tudo que se passava ao redor. Dali para a corrida elegante e certamente vitoriosa partia ela e, minutos depois, lá estava, transformada em refeição, a presa inerte e abatida entre seus poderosos dentes.
Mas tudo isso ficou no passado. A água ainda rumoreja deslizando sobre o leito tortuoso de cascalho. A mata continua distante e silenciosa, a clareira não esconde mais, todavia, suas formas de vida. Corças, gazelas, hipopótamos banhando-se no grande lago que ainda está lá. Mas tudo aquilo pertence agora ao homem empresário e empreendedor que fez do grande habitat natural sua reserva turística e antiecológica, pois a liberdade que, antes, gozavam os bichos, gozam agora os turistas que os têm debaixo de suas câmeras, protegidos por engenhocas que os mantêm em segurança.
Contudo, o grande pesar é a destruição de forma rampante que vem se processando nas matas. Os galhos das árvores, antes enfeitados com a multiplicidade de espécies de pássaros e suas entonações melodiosas, fazendo de cada alvorecer um concerto ecumênico amanhecem vazios de vida. Uma ou outra ave ali pousa e o que consegue entoar não passa de uma nota de pura saudade e tristeza. Não há mais aquela vibração de seres minúsculos, alguns quase invisíveis que enxameiam o ar a nossa frente. O voejar das abelhas sugando o néctar abundante das flores; o beija-flor com seu voo sincronizado e suas formidáveis paradas, suspenso por nada, planando em torno da orquídea que se parasitou ao tronco, num bater de asas, frenético, impossível de acompanhar com os olhos.
Os pequenos córregos que antes abundavam de espécies raras de coloridos peixes, visíveis ao fundo de águas cristalinas desapareceram como que por encanto. O leito está turvo, as plantas cheias de garbo e frescor que crescem as suas margens tombam, impelidas pela densidade da atmosfera, incapazes de extrair do solo os poderosos nutrientes que as mantinham cheias de vida e frescor.
Caminhando-se por este palco de destruição o que se vê deprime e entristece. As próprias árvores perderam o seu brilho característico. Quase não há flores, os galhos estão desnudos, pobres de folhas verdes, mas de uma tonalidade fosca; o chão se enche dessa vegetação que fenece por falta de amor. Amor, nesses casos, roubado às criaturas de Deus, pois que em Sua infinita bondade, deu-lhas ao homem para que usufruísse a sua presença e sua serventia, mas pelo que ele lhes faz e pelo sofrimento que lhes impõe não deve ter por elas grande interesse.
Assim, não teve palavras o rei das selvas para conter ou suavizar a dor dos seus queridos amigos. Paciência e resignação; é o que pedia a todos. Quem sabe um dia a situação se reverta e o homem, tocado pela sensibilidade que parece ainda possuir, compreenda que existem formas de obter vantagens sobre o que a natureza oferece sem precisar destruí-la e passe, de fato, a agir em conformidade com essa compreensão, unindo desenvolvimento e sustentabilidade? Tenho dito. Deu assim o rei das selvas, por terminadas todas as reuniões.