Help primário?
As pastas e as capangas separavam a turma. Eram tempos e tampos do curso primário, 1958-61, no grupo escolar estadual Professor José Valadares, que ocupava o casarão colonial outrora pertencente à mítica Maria Tangará. Ter lancheira, estojo e copinho telescópico, daqueles que se abriam e fechavam à puxação e compressão dos anéis, aí já era esnobação.
Duma turma duns quarenta iniciantes, dos quais praticamente só a metade chegaria à solene diplomação ao se concluir a quarta-série, eu ficava em posição intermediária. Tinha uma pasta preta, de couro, tês compartimentos, e até um bolsinho na frente - presente do seleiro tio Zé - que, ainda que superdimensionada para minha bagagem cultural, me dava certa segurança. Menos, é claro, para buscar papo com as meninas, que compunham a parte mais estridente e instigante da classe.
E para compor a posição de alienação dos capangueiros, havia ainda o agravante de alguns deles andarem descalços. Eu mesmo, ainda que por um tempo bem curto, cheguei a experimentar esse statu quo, pude me dar conta das limitações carmelíticas dos dechaussés...até que uns sapatos doados pela mãe do primo Zenrique me restabelecessem a dignidade que só um pisante garante.
A sopa da Caixa era outro elemento que, se o corpo alimentava, mais corda à segregação dava. E eu, intermediário continuava, sem alcançar o deleite duma lancheira, e sem me qualificar para a Caixa, sopé da ladeira.
As mestras, nem sempre doces entes docentes no entanto, equalizavam
essa inequação, na severidade da disciplina, e na suavidade da atenção que distribuíam aos seus pupilos, independentemente de sua condição social, et coetera e tal. O que não engordava, nem fazia mal.