O REI CAOLHO NA TERRA DOS CEGOS

Fazia já muito tempo que ninguém ponhava os pés naquela terra perdida, onde seus habitantes eram cegos tontos e outros poucos até que bem arteiros, mas a verdade é que não se via um que não fosse cego. Muitos diziam que a terra era ezuberante, porém, amaldiçoada e todo aquele que contemplasse sua beleza ficaria cego para o resto de sua vida.

Certo dia, um homem andava a cambalear por aquelas bandas, fazia dias que se perdera do caminho de casa e não comia e nem dormia direito e por isso só conseguia manter um olho aberto. Até que se deparou com belas e elevadas árvores que quase alcançavam as nuvens e seus frutos eram fresquinhos e davam água na boca só de olhar! O homem, como estava com muita fome, escalou o tronco de uma árvore e apanhou uma deliciosa manga e se deliciou. De repente, sua visão começou a embaraçar, no entanto, ele continuou caminhando e mais à frente se surpreendeu com um rio de águas clarinhas e ficou a observar, encantado, e admirou as flores e os pássaros e a cascata, até que perdeu totalmente a visão do olho esquerdo, já que o outro estava caído de sono. E cego de um olho ele seguiu por aquele caminho, foi tropeçando em galhos e pedras e ignorando toda a paisagem, não porque queria, mas por razão de que não conseguia abrir o olho, se esforçava, mas o sono era demasiado. Sem mais suportar, o homem caiu e adormeceu.

Tendo já dormido o bastante, o homem acordou e viu que estava num vilarejo e cegos andavam de um lado para o outro com suas bengalas e óculos escuros, mas um dos cegos ia por um mau caminho sem orientação, no quando gritou para este o homem:

- Cuidado com o tronco, meu senhor!

E o cego bateu a testa num tronco de árvore e perguntou estupefato:

- O quê? Quem disse isso?

E o homem, se aproximando, respondeu:

- Eu.

- E como você sabia que aqui tinha um tronco?

- Porque estou vendo o tronco, meu senhor.

- Como pode ver o tronco se aqui é terra de cegos?

- Quando eu vinha para cá perdi a visão de um olho porque não resisti à grande beleza da floresta, porém, caminhando com muito sono e assim sem conseguir despertar um olho, cheguei até aqui ainda enxergando com um olho.

- Mas, não devias ter também ficado cego do teu outro olho ao contemplar também este lugar?

- Não, visto que este vilarejo é muito feio e pobre.

O cego então começou a gritar:

- Ouçam, ouçam todos! Há um homem aqui que enxerga com um olho! Pensem comigo, ele não deve ser o rei dessa terra?

E todos gritaram alegremente:

- Rei! Rei! Rei! Rei!

E nomearam o homem o novo rei da terra dos cegos e tentaram o erguer, mas não conseguiam encontrá-lo, e tentavam lhe servir chá, mas serviam água suja num pinico e deixavam derramar nas calças do rei! O alfaiate se inventou de fazer roupas para sua majestade e acabou fazendo uma toalha de mesa, pensaram em construir um palácio para o rei, e terminaram construindo um mausoléu. E assim viveu o rei na terra dos cegos, sendo servido desastrosamente por cegos que orientavam cegos e faziam tudo às cegas, ouvindo perguntas como: "qual a cor do céu?" "Como é o vilarejo?" "Qual a cor de meus cabelos?" e sem poder voltar para casa, pois, se saísse do vilarejo veria a beleza no além e provavelmente se tornaria entre mil cegos mais um cego na terra perdida.

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 01/02/2016
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