Paulo e as formigas

Paulo não deixava ninguém em sua casa pisar nas formigas. O garoto de seis anos tinha o hábito de assustar os visitantes desavisados:

- Não pise na formiguinha!

Sua mãe costumava rir alto dos sobressaltos de Paulo, mas não sabia explicar porque sua casa vivia infestada dos insetos. Paulo, indiferente a isso, gostava de acompanhar os trajetos das formigas.

Foi por culpa da curiosidade que descobrira, antes de sua mãe, todos os orifícios da casa que eram entrada e saída dos silenciosos insetos. Poderia mapear a casa se quisesse, mas guardava o segredo consigo. Entre eles e as formiguinhas havia um pacto. Elas não comiam os doces que ele guardava escondido no quarto e ele não contava à mamãe de onde as formiguinhas vinham.

O garoto admirava com respeito o organizado caminhar que as formigas executavam, mas se pudesse Paulo poderia escavar a parede para ver o esconderijo delas. Será que haveria uma cidade atrás do armário da cozinha? E ali no canto da sala, haveria grandes famílias debaixo do chão de madeira?

E foi assim que, um dia, cansado das limitações impostas pelo seu tamanho e desejando entrar por aqueles espaços ainda não conhecidos, Paulo conseguiu transplantar-se para uma formiga. A empatia de Paulo era notavelmente imersiva, o que permitiu que ele conseguisse imaginar sua cabeça na da formiga. De início notou a imensidão da sala, ficou meio tonto, as cores até pareciam diferentes, as formas meio confusas, mas era sim a sala de sua casa. Olhou para suas patinhas e percebeu como eram engraçadas. Se pudesse rir, o garoto riria, mas na verdade tomou um susto quando ele-formiga enxergou ele-menino. O garoto era grande, grosso e parecia muito pesado. Paulo-formiga foi tomado pelo medo, encontrou-se ameaçado. Começou então a correr pela sala fugindo do menino, e quando mais andava mais notava como as distâncias eram ferozes, como ele era absurdamente minúsculo. A cadeira da sala pareceu então um excelente refúgio, poderia a escalar. A cada passo Paulo sentia-se cada vez mais indefeso e frágil. Olhava para cima, ainda tentando reconhecer o espaço, e via que o teto era como o céu, distante e inalcançável. Quanto mais corria mais torcia para que nenhum monstro com pernas quilométricas aparecesse em sua frente. A cadeira já não estava muito longe.

Quando só restavam 100 patas para chegar na cadeira que notou que o menino retirou o seu refúgio e dobrou os joelhos no piso em sua direção. Paulo ficou paralisado. O rosto gordo da criança estava insuportavelmente próximo e soltava um vapor quente e ardido. Paulo, sem muita opção, fechou os olhos com força. E acordou.

Sua mãe nunca entendera porque ele protegia os insignificantes insetos, mas Paulo já havia vivido um dia de formiga.

Di Ramos
Enviado por Di Ramos em 01/09/2015
Reeditado em 01/09/2015
Código do texto: T5367200
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