O minino do Aristote
Finalmente, o Sérgio criou coragem e veio abordar-me, bem no eixo da rua, aquela ruela nossa, de terra, e sempre à espera de uma boa capina.
Mas antes da dar aquele ousado passo, o traquinas, que me olhava de baixo pra cima, na sua condição de aspirante a escolar - quando eu, já uniformizadinho, e de lustrosa pasta em punho, frequentava o primeiro ano primário das Escolas Reunidas Doutor José Lima Guimarães. E Sérgio esperou a hora mais certa: a de ter uma proeza para contar.
E, retesado, estacou-se, esticou-se e me estocou: sabe, cara, o papai perdeu a carteira de dinheiro dele e ninguém achava. Procurou por toda parte, e nada.
Minhas irmãs mais velhas, a Maria dos Anjos e a Zenaide também ajudaram na busca, mas nada de nada. Aí eu entrei na jogada e, achei. Tava debaixo do cama, recheadinha de cobre. O papai ficou tão feliz, que até me deu cinco pratas pra eu comprar uns doces.
Com meu ar de escolar, olhei pro Sérgio, sem muita confiança descolar. Não achava assim tamanho feito ele ter achado a carteira do pai, o Aristóteles que, reduzido de tamanho e de proparoxítonas, a gente do povoado chamava Aristote. Feito os franceses diante dessas greco-latinidades...
Mas acho que ao pimpolho do Aristote eu ainda disse um pouco convincente 'muito bem' e não deixei de admirar - aí mais um pouco - sua determinação em me contar sua aventura, ele que já vinha me 'namorando' da janela de sua casa, ainda sem carteira achada ou outra desculpa para falar de igual a igual para com um escolar, de pasta preta, lustrosa, e uma borracha bonita, compridinha, cinza clara e escura, para lápis e tinta, que mamãe me dera como presente.
O Sérgio, gastas as cinco pratas, realizou seu sonho, virou escolar, mudou pra cidade, ficou fortinho, bonitão, cheio de saúde, amigos e namoradas mas, vai ver que por causa de uma carteira, ou quiçá, de ciúmes de suas proezas junto às donzelas, perdeu carteira e vida, elas juntas, paralelas.