O galim galinzé

O dicionário dá garnizé e até explica a origem da ave e do nome. Mas esse galinho pra minha meninice era galinzé mesmo. Dizer pro pessoal lá do vilarejo que o correto é garnizé e que o nome está associado à ilha de Guernsey - logo ali entre a França e a Inglaterra - seria perda de tempo. E do latim.

Vamos ao galim. Piquinim, branquim e bunitim. E era um galo verdadeiro em miniatura, com aquela crista vermelha, as barbelas salientes, aquelas penas fininhas e brilhantes no pescoço e em volta do rabo, e até as esporinhas. E cantava, com sói aos galos de maior porte - e sorte.

As pessoas paravam em frente à cerca de tela de Dona Lia da Neném só pra ver o bichinho. E ficavam impressionadas tanto com a figura quanto de sua desenvoltura em ciscar e se virar no meio da galinhada.

Curioso é que o galo dono do terreiro, um galo índio bem guerreiro não hostilizava o liliputiano galinzé. Quiçá até o ignorasse, não achando que ele estivesse à altura para as contendas de um galo de verdade.

Esse galinho, que já tivera a sua companheira nas mesmas proporções - e aparentemente algum gambá tratou de passá-la no papo - era, assim, um viúvo. Mas não parecia se incomodar muito com a ausência da companheira, à qual havia sido fiel a vida inteira.

E agora, era outra a hora, outras as necessidades e pra falar em bom galês, ele andava mesmo com vontade, a dois por três. Ciscava e cocoricava em torno de uma galinha gorducha, tipo Plymouth ou Rhode Island, e ela até que parecia não se incomodar com a corte, pois ciscava junto, e vai ver até que lhe piscava de vez em quando.

E no entanto, o tempo se passava e nada de progredir a idéia ou a iniciativa do galinzé. Para ele materializar o seu intento era preciso plena cooperação da nova companheira. Mas isso não parecia lhe passar pela crista dela, ou sua barbela, de jeito maneira. E o galinzé,

no desespero, sem jeito de fazer ao menos uma besteira.

O pior, vai ver que pensava, é que já havia testemunhado tanto pinto crescer, se empombar e de início, apesar do terror do galo índio, sua lasquinha tirar. Mas e ele, sem um espelho, um bom conselho, continuava na altura do joelho. Se ao menos pudesse dar uma de coelho...

Até que uma bela noite, de seu modesto lugar no poleiro, sonhou que ganhou um milhão. Guloso como andava, tentou comê-lo, foi morrer num engasgão.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 12/06/2015
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