Meus notáveis
Eram dez. E embora eu ainda não lesse, gostava-me encarar aquelas fisionomias, a gravidade coreográfica que lhes ia à volta e aquela porção de letrinhas que arrematavam cada peça daquela obra.
Dos rostos exibidos ao centro de cada peça, eu às vezes ria a beça por achar envelhecidos e carcomidos, ainda que ali homenageados, entronizados. Eram as nossas cédulas, ou notas, que iam do um cruzeiro ao milheiro.
Havia a de um, azulada, a de dois, amarelaranjada, a de cinco amarronzada, a de dez esverdeada, a de vinte quase barroavermelhada, a de cinquenta arroxeada, a de cem dum marrom feijão cozido, a de duzentos dum verdemato, a de quinhentos acinzentada e a de mil,
doiradaavermelhadaouamarelada. Era um conto de réis. E nem sei quantas delas papai e mamãe juntos, assalariados, tinham a cada mês, quando ordenado lhes era pago.
Sei que a gente miúda, se não excesso, ao menos tinha ao menos acesso àquelas notas que se não iam pro banco, ficavam numa caixinha aberta, encima do quarda-roupas. Ou era guarda-roubas? A verdade é que a gente mexia, mexia, mas nunca se dava falta delas.
E foi nossa moeda, o cruzeiro, desde o fim da segunda guerra até a tal revolução, que até sonhos enterra, e tudo encerra, enquanto o petê deblaterra.
Das figuras todas eu achava só uma bonita, e rosto limpo, e outra mais ou menos, também escanhoada. O resto não me causava senão aquela reverência pela sua severidade.
Depois vim a saber que um dos rostos que eu aprovava,com reservas, era o de Getúlio, o homem das dez. E o outro, que eu achava tão jovem, imberbe e virtuoso até no olhar, na pele louçã, e discreto papel, nada mais era do que a princesa Isabel...