Criança tem cada uma...III
Num certo dia dos idos de um mil novecentos e noventa e um, eu trabalhava no Quartel do Comando Geral, no Largo dos Aflitos. Minha filha mais velha, que à época estava com sete anos, estudava no Colégio Marista que ficava próximo ao meu local de trabalho. De sorte que todos os dias, às dezessete horas, findas as aulas, eu ia buscá-la na escola e trazia para o quartel onde ela permanecia comigo até o término do expediente, às dezoito horas. A fim de que, enquanto ela estivesse comigo não ficasse traquinando eu a abastecia de papel rascunho e caneta para ela ficar entretida, rabiscando, e não prejudicar a rotina do serviço. Haja vista que na sala trabalhavam vinte e cinco pessoas, que desenvolviam tarefas relativas à atividade meio da corporação. Eu estava despachando a papelada quando o corneteiro tocou “Oficiais reunir”. O local do evento era no gabinete do Comando Geral. Antes de sair para a reunião eu pedi para que ela ficasse quietinha ali onde estava, rabiscando papéis, que eu ia para uma reunião com o meu chefe e que não ia demorar. Ela me prometeu que não sairia de onde estava. Mas, promessa de criança vocês sabem como funciona, nem sempre é cumprida. Cheguei ao gabinete do Comando. Ato contínuo o oficial mais antigo ordenou que todos os demais tomassem a posição de sentido para apresenta-los ao Comandante. Quando todos já estavam perfilados e que o mais antigo ia fazer a apresentação, eis que a minha filha surgiu na porta do salão, toda empolgada, envergando a farda do Marista, entrou, e vendo todos aqueles homens em posição de sentido, não titubeou e também se perfilou ao lado deles. A presença da menina ali, naquele momento, foi um fato inusitado e que chamou a atenção de todos. Mais inusitado ainda porque ela tomou a correta posição de sentido ao lado da oficialidade, como se fosse mais um integrante da tropa. Todos a olharam com assombro e não se contiveram em rir da situação. Até o Comandante Geral, riu. A esta altura eu já suava frio, quando o Comandante perguntou:
- Ela é filha de quem?
Já prevendo uma séria advertência eu lhe respondi que era minha filha, desculpei-me pelo ocorrido e pedi licença para levá-la de volta ao meu local de trabalho. Para minha surpresa - como ela estava comportada, ele falou que a deixasse ali mesmo. Ela ficou e não aprontou nenhuma traquinagem.
Hoje, talvez ela não se recorde mais dessa ingênua travessura, para mim vexatória, mas, para ela, talvez lúdica.
Coisas de criança.