Estórias de Tia Rita
Tia Rita passava roupa com o ferro de brasa, sem medo de incendiar a casa , e certa de que energia poupava. E nesse vai-vem, contava-nos, ao compasso do seu passar, histórias que havia ouvido no rádio, sem ao menos tergiversar.
Foram dezenas, umas grandes, outras pequenas, mas todas sempre amenas, encerrando uma lição, um conteúdo moral, etcétera e tal. Muitas delas terminavam com um clássico pote de conservas, ou de doces, que ela vinha trazendo pra gente, até chegar a uma maldita pinguela, onde um passo em falso, nos fazia dar adeus as compotas. Só lorotas. E em meio à mágoa, a boca cheia d'água.
A estória do porco era das que mais impressionavam. Ia assim: um homem numa cidadezinha era açougueiro e sempre se desfazia da igreja. Não ia à missa, não fazia caridade e ainda vivia a mangar dos padres e da religião.
Um belo dia, pronto para matar um porcão no domingo - apesar de ser o dia do descanso do Senhor - mandou o filho ir correndo à igreja e chamar o padre às pressas. Com a desculpa de um para que ele lhe desse extrema unção a um indivíduo que estava à beira morte. Só por gozação.
O filho, sem entender bem os propósitos do pai se abalou para a igreja, onde encontrou o padre justamente no ato da consagração da hóstia santa. Contudo contado, e, para salvar a alma do enfermo, o padre não viu outro jeito senão suspender o ato religioso e, na carreira, acompanhar o garoto.
Quando lá chegou, para a estupefação dele e do filho do açougueiro, deu de cara não só com um porcão, gordo, enorme, mas sim, com dois, rigorosamente iguais. E neca de se ver o açougueiro.
Ao que o padre virou-se para o garoto, em desolação, e disse: seu pai pecou tão gravemente que o Pai do céu resolveu puni-lo transformando-o num porco igual ao que ia matar. Agora não se pode distinguir um do outro. E cabe tratá-los humanamente até a morte. E o padre se foi.
Nessa aí, o mais trágico é que nem a esperança do pote de compotas havia - ou de torresmo, que daria tudo no mesmo.