663-JOSINO PACIÊNCIA E O VENTO-Histórias da Vovó Bia-5

Tavinho, Dorinha e Carlinhos saíram correndo pela porta da frente. Assustaram a avó com seus gritos Bença, Vó! em uníssono. Desceram a escada da varanda para o jardim fronteiro e toparam com Josino, o velho empregado da fazenda.

— Onde é que cêis pensam que vão — Perguntou, exibindo ainda alguns dentes e muita gengiva no sorriso aberto.

— Vamos nadar no pocinho. – Diz Tavinho.

— Olha o que trouxe prá oceis. Acabei de catar no pomar.

A cesta no seu braço está cheia de frutas.

— Caqui! — exclama Dorinha. — Adoro caqui.

— Então é bom ceis voltar pra experimentar. Estão madurinhos, no ponto!

Os três sobem com o preto velho as escadas do casarão.

—Ué, vocês não iam nadar? — pergunta a avó, sentada na cadeira de balanço, afastando o cestinho de tricô para ver a cesta de frutas trazida por Josino.

— Primeiro, vamos comer caqui.

O homem deixou a cesta na varanda, sobre uma pequena mesa. Dorinha correu até a cozinha, de onde voltou com facas na mão.

— Inham, inham, fez Dorinha, passando a língua nos lábios, como se já estivesse saboreando a fruta.

Enquanto comiam, não se calavam nem por um momento, Tanto a velha senhora quanto os netos eram muito conversadores.

— Esse seu Josino Paciência é um bom velho. Nunca vi pessoa mais tranqüila. — Disse Tavinho.

— Vó Bia, porque ele tem esse nome? — Curiosa, Dorinha queria saber de tudo.

A avó, que não se fazia de rogada, respondeu, entre um pedaço e outro de caqui:

— É uma história e tanto.

— Conta pra nós, conta?

E ela foi logo contando.

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Quando esta fazenda foi comprada pelo Tito, seu avô, nós estávamos casados há dez anos e já tínhamos seis filhos. Havia muito trabalho e Tito precisava de ajudantes. Naquele tempo, era difícil encontrar alguém de confiança, pois os imigrantes, como nós, estavam cuidando de seus sítios e fazendas.

Foi quando apareceu aqui o Josino, procurando serviço. Era filho de escravos, e para os negros não era fácil encontrar trabalho. Quando foram libertados, saíram das fazendas, foram para as cidades, e os filhos não gostavam do trabalho da roça. Por isso, os patrões evitavam dar-lhes serviços.

Muito magro e baixinho, parecia mais um garoto do que homem feito. Chegou e foi falando direto com meu marido:

— Me falaram que o senhor ta precisando de gente pra trabalhá na fazenda. Eu to precisando de trabalho. Se o senhor me ajustar, posso ser de muita serventia.

— Você é bom nos serviços da fazenda? Capina de roça? Sabe cuidar de gado?

— Sei fazer de tudo um pouco, sim senhor. E posso dormir enquanto vento assovia.

Tito, meu marido, avô de vocês, pensou:

Este neguinho ta querendo mais é vida fácil. Ele fala assim é porque não sabe como o vento sopra aqui no mês de agosto.

E falou:

— Vou te experimentar. Mas esse negócio de dormir no serviço, olhe lá, hein? Como é seu nome?

— Josino.

— Josino de quê?

— Eles me chama de Josino Paciência.

Está me parecendo que é a preguiça em pessoa. Ainda mais com este nome...Mas preciso de ajuda, a colheita do feijão está atrasada... — Pensou o fazendeiro.

Josino começou a trabalhar naquele dia mesmo. Até que o sol se pôs e não havia mais claridade, ele trabalhou.

Em pouco tempo, mostrou que era trabalhador e não descansava nunca. Tito ficou satisfeito com ele e até reformou e melhorou o quartinho onde ele dormia.

Isto aconteceu no inicio de julho. Fazia muito frio, dias de neblina e noites geladas. Mas logo veio agosto, com suas ventanias. E aqui na fazenda ventava demais, pois estamos no alto da Serra.

Tito avisou Josino Paciência:

— Vai começar o mês da ventania. Precisa tomar cuidado redobrado com o gado, as galinhas, o terreiro com o feijão secando.

— Sim, patrão, respondeu o Paciência,

Numa noite, o vento aumentou. Uivava nos galhos das árvores, assobiava pelas frestas de portas e janela. Derrubou algumas telhas.

Tito acordou com a barulheira. Acendeu o lampião e correu até o quartinho de Josino Paciência, que estava ferrado no sono. Sacudiu o empregado, gritando:

— Levanta, Josino! Está chegando um temporal daqueles! Vamos tocar o gado do pasto prá dentro do curral.

Josino virou-se na cama e disse com toda a tranqüilidade, mas decididamente:

— Não senhor. Quando o senhor me ajustou, falei que eu podia dormir enquanto o vento assopra.

O patrão quase ficou louco com o empregado.

— Vou te mandar embora amanhã mesmo.

E correu para o pasto, onde as vacas e o touro Guampa Grande costumavam passar a noite. Nada viu.

— Porca la miséria! Onde foi parar o gado?

Correu para o curral, contra o vento, gravetos e folhas que batiam no rosto e no corpo.

Ficou surpreso com o que viu: as vacas e o Guampa Grande bem abrigados no grande galpão. A porteira trancada, para não saírem ao relento.

— Inda bem.

Correu para o galinheiro que, da mesma forma, estava trancado com a tramela e as galinhas todas quietas, empoleiradas.

Foi ao terreiro. O feijão, estendido para secar, estava amontoado e coberto por lona, presa nas beiras por pesadas pedras.

Josino tinha providenciado, antes de deitar-se, abrigo para os animais e coberta para o feijão. Teria ele adivinhado que naquela madrugada chegaria um temporal?

Tito voltou para casa, correndo dos primeiros pingos do temporal. Antes de se deitar novamente, me disse:

— Agora entendo o que o Josino Paciência quis dizer . Que podia dormir enquanto o vento soprava.

Lá fora, o temporal desabou.

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As crianças ouviam a história com atenção. Quando Vovô Bia terminou, Tavinho comentou:

— É, merece o nome que tem. E deve ser muito velho.

— Olha a cabeça dele: está branca que nem lã de carneiro. — Disse Dorinha.

— Diz o ditado que negro quando pinta tem prá mais de cento e trinta. – concluiu Carlinhos.

Todos caíram na risada.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 16 de abril de 2011

Conto # 663 da SÉRIE 1OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 24/02/2015
Reeditado em 24/02/2015
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