A tunda do Neuler

Aquela ferinha do Neuler era, em prisca era, do Batista e de Dona Lêta, o filho varão único cercado de irmanzonas e irmanzinhas. Em comum, tinham eles todos os nomes iniciados pela letra N. Até que, ou esgotou o estoque, ou o casal se deu conta de que no alfabeto mais letras havia, e mudar não era prevaricar, que acabou dando inicial diversa à caçulinha. Paula? Conceição?

Já me não lembra. Mas pouco importa, agora como importava outrora. O que contava, contudo, é que eram Batista e Lêta, pais extremados, e os seus mimos, mimados. Afinal, embora assalariado, o Batista tinha sua posição de encarregado de turma na companhia, e era de bom tom manter elevado o padron. Ou non?

Um belo dia, todavia, fez o Neuler alguma travessura, como qualquer outro menino malcriado daquele longínquo povoado do Brumado, e dona Lêta, incontinenti, cercada de gente, e impotente para disciplinar o filhote na base do verbo, vendo-se desrespeitada, lascou-lhe a severa advertência:

- Você vai ver quando seu pai chegar, a tunda que ele vai lhe dar.

Testemunhei, como muitos circunstantes, aquele anúncio diluvial. Nem me precisou buscar esclarecer, entretanto, o que 'tunda' queria dizer, tão gritantes eram os elementos de dedução à circunstâncias. O menino Neuler também, pois cedeu logo aos rogos maternos, baixando o facho e botando o rabinho entre as pernas, embora sem ter ainda condição de saber se a fatwa materna teria sido revogada.

Só ao Batista - quando voltasse - competia julgar a gravidade do ato e a correção. Pus-me a pensar, nada obstante, que 'um coro', 'uma coça' seriam um castigo bem mais leve. Ao menos em rimas menos dolorosas.

Afinal, onde se levaria uma tunda?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 13/02/2015
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