640-O LOBO PREGUIÇOSO- Histórias da Vovó Bia # 1

— Vó Bia, conta uma historia... conta? — Pede Dorinha, com seu jeitinho carinhoso.

— É, vovó, uma história de bichos que falam. — Tavinho completa o pedido da prima.

— Do lobo mau. — completa Dorinha

A avó sorri para os netos. Um sorriso afável, bondoso e cheio de ternura. Estão sentados no grande alpendre da casa da Fazenda Palmeiral. Vovó Beatriz faz tricô, atenta aos pontos do trabalho e ao mesmo tempo de olho em tudo que se passa ao seu redor. Os dois netos sentam-se no chão de tábuas lisas, tão lisas que parecem envernizadas., tantas vezes foram esfregadas por Emerenciana. ,

A manhã está meio chuvosa, razão pela qual Otávio e Dora estão ali, ao redor da avó.

A velha senhora ergue os olhos por instantes do trabalho que executa com perfeição.

— Não, não. Do Lobo Mau ela já contou outro dia, diz Tavinho.

— Sim, diz a avó, respondendo aos dois. — Já contei do Lobo Mau e Chapeuzinho Vermelho, do Lobo Mau e os três Porquinhos... Mas existem tantas histórias de lobo mau.

— Então, conta ma história que a senhora não contou ainda. — Dorinha levanta-se e chega até onde a avó está sentada, e passa a mão direita pelos ombros da avozinha.

— Bem, acho que vou ter de refrescar a memória. —Diz Dona Beatriz, levantando-se e dirigindo-se para dentro da casa, — Venha comigo, Dorinha, vamos escolher um livro com histórias de lobos maus.

Caminha até defronte à grande estante com portas de vidros, repleta de livros e que ocupa quase que toda a parede da sala de visitas. Usa a chave para abrir a estante, e inicia a procura.

— Vamos ver... Aqui... — passa os dedos pelas bordas dos livros e para sobre um, de costaneira vermelha. — Aqui está: História do Lobo Preguiçoso e a Sabiá esperta

Retira o livro e volta para a cadeira no alpendre. Abre o livro e antes de iniciar a leitura, olha por sobre o parapeito de madeira, e sua vista se perde até o horizonte. Mas a névoa e o chuvisqueiro fino só permitem que ela veja até a borda da mata.

— Este livro tem uma história que mostra bem como a astúcia do lobo é vencida pela esperteza de um pequeno passarinho, uma sabiá-coleira.

Otavinho estranha o modo como a avó fala da ave:

— Uma sabiá? Eu sempre ouvi dizer um sabiá.

— Sim, diz-se geralmente O sabiá. Mas neste caso, é uma sabiá fêmea.—Explica Dona Beatriz. — Aliás, em alguns locais do Brasil dizem A sabiá.

Acomodada de novo à poltrona de vime, abre o livro.

— Bem, mas vamos à história.

“Em uma pequena mata vivia um casal de sabiá com seus filhotes. O casal não descuidava dos filhotes e tanto o papai como a mamãe sabiá voavam o dia inteiro, daqui pra ali, sempre à cata de insetos e pequeninas frutas que traziam para alimentar os três filhotinhos. Não se preocupavam com nada, nem com os dias de verão, nem com a estação e nem mesmo com os dias de inverno, de frio cortante.

Entretanto, bem debaixo da árvore onde vivia a família de sabiás, e de onde os sabiás enchiam de alegria as manhãs e as tardes com seus alegres trinados, morava um lobo, numa toca cavada sob a árvore.

O lobo era diferente dos outros da sua espécie: era preguiçoso, mas tão preguiçoso, que não tinha ânimo nem para ir caçar, e vivia constantemente com muita fome.

Era outono e pelas manhãs soprava um vento fresco. A família dos sabiás acordava cedo e se punham a cantar muito alto, para anunciar o novo dia. Depois, saiam para se alimentar e trazer comida para os filhotes.

O lobo, pelo contrário, gostava de ficar dormindo até tarde, e ficava muito irritado com a cantoria dos sabiás, no galho bem acima de sua toca.

O lobo pensou então numa maneira de se ver livre dos sabiás, e ao mesmo tempo matar um pouco a sua fome crônica. Ficou esperando na beira do poço onde os sabiás iam bebericar água todas as tardes.

— Fico aqui de tocaia e pego esses sabiás de surpresa. — falou consigo mesmo.

Uma tarde, dona sabiá foi bebericar água no pequeno poço. O lobo preguiçoso estava detrás das moitas, esperando justamente por aquele momento.

— Que sorte! Eis minha oportunidade de acabar com a sabiá. — pensou o lobo.

Esperou engolindo saliva. Quando a ave estava bem distraída, com o biquinho assim para cima — glu, glu, glu — ele ZAPT! Pegou a sabiá com sua boca grande e babenta.

A mamãe sabiá se viu, num abrir e fechar de olhos, na boca do lobo preguiçoso. Mas rapidamente gritou, antes que o lobo a engolisse, com a voz sufocada:

— Espera um momento, seu lobo! Estava asfixiada, porém não desanimou e prosseguiu, trinando com quanta força ainda tinha:

— Escuta só. Estou quase morta e não me queixo de ser engolida por você. Estava distraída e você me pegou. Tudo bem. Mas quero lhe fazer um último pedido. Peço-lhe que chame meu marido para me despedir dele e falar para ele cuidar bem dos filhotes. Ele mora ai, bem em cima de sua toda, naquele galho ali, está vendo?

Ao ouvir o pedido da Sabiá, o lobo pensou astutamente

—Agora, sim, vou poder comer também o sabiá marido dela.

E abrindo a boca, gritou para o sabiá, que a tudo assistia lá de cima do galho:

— Seu sabiá, venha despedir-se de sua mulherzinha.

Mas quando o lobo abriu a boca para gritar, chamando o marido da pobre avezinha, a mamãe sabiá espertamente escapou, e ainda que estivesse sem algumas penas nas asas, voou até o galho onde estava o marido. O lobo ficou roxo de raiva e não teve outro remédio senão ficar olhando para o galho, para os dois passarinhos, da mesma forma que um cachorro perseguindo uma galinha, fica contemplando triste o poleiro alto onde ela subiu.

A dona sabiá, olhando o lobo lá em baixo, falou:

— Como você é idiota, seu lobo. Pensou que comendo uma ave tão pequenina como eu, você encheria seu estômago?

Depois de mais alguns trinados, a fim de enfurecer o lobo, mudou de tom

— Mas espere um momento, a sorte vai sorrir pra você. Como poderei esquecer que foi você mesmo quem me liberou? Em agradecimento, vou levar você a um lugar que tem muita comida. Venha, siga-me.

Oferecendo-se como guia, foi voando de galho em galho, sendo seguida pelo lobo preguiçoso. Levou-o para um local onde passavam pessoas que iam ao mato, buscar lenha.

Naquele exato momento, passavam dois lenhadores com machados afiadíssimos e cordas para amarrar os feixes de lenha.

— Olha lá, não é um lobo o que estou vendo? — cochichou um dos lenhadores para o companheiro.

— Sim, sem dúvida. Vamos pegá-lo!

O lobo não tinha visto os lenhadores. A sabiá pousou suavemente na sua nuca para avisá-lo que os lenhadores iriam matá-lo.

Quando o lenhador viu a ave na nuca dói lobo, falou baixinho:

— Veja! Tem um passarinho no lombo do lobo. Vamos pegá-lo primeiro.

Assim dizendo, foi se aproximando devagarzinho, passo a passo, com um pão pronto para bater na cabecinha da sabiá. Ela, então, falou para o lobo:

— Lobo, não se mova. Finja que está morto. A fuga algumas vezes é pior. Mesmo que o lenhador te dê uma paulada, a primeira vítima serei eu, pois estou sobre o seu cangote.

O lobo pensou que a mamãe sabiá tivesse razão. Assim, obedeceu a ordem da pequena ave.

Neste momento, o outro lenhador disse ao ouvido do primeiro:

— Olha, vamos pegar o lobo e o passarinho de uma só vez.

Ato seguido, os dois golpearam na direção do lobo, que se fingia de morto e da sabiá. Esta, no exato instante que os paus iam lhe cair em cima, voou, escapando agilmente das cacetadas que lhe seriam fatais.

O lobo não teve tempo para fugir. Quando percebeu as cacetadas nas costas, começou a lançar gemidos e uivos de dor. Finalmente, conseguiu escapar da fúria dos lenhadores, e voltou correndo para sua toca.

Enquanto lambia as feridas e sentia mais fome (pois fazia dias que nada comera), ia pensando no desastre que tinha sido a idéia de comer os passarinhos.

Desde então, quando acordava com os trinados dos sabiás sobre sua cabeça, pensava:

— Deixa eles. São muito pequenos para minha grande fome.

E voltava a dormir. “

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 26 de novembro de 2010

Conto # 640 da SÉRIE 1OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/01/2015
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