A Sonâmbula

As sensações eram tão estranhas para mim que não sabia explicar ou tentar ao menos que fosse, pois ninguém entenderia. E até nos dias de hoje, vez em quando penso nessas coisas que me aconteciam.

Quando pequena eu dormia sozinha num quarto grande que de fato se dizia - um grande quadrado com os quatro lados iguais dos quais um, bem no ângulo do vértice, estava a minha cama -. E o meu travesseiro ao certo sob a minha cabeça também reagia àquilo tudo: - Acho que tinham fantasmas rondando nas noites. Perambulando escondidos nas sombras que das árvores apareciam galhos enormes na minha janela. A cortina dava ares de ventinho deitado em rede e balançava-se como quem queria dizer algo já dizendo: Búúúú!! Seria o Pluft, amiguinho da Maribel? - um fantasminha tão legal, coisa e tal. Ou seria o Gasparzinho - um fantasminha tão bonitinho quanto fofinho -... Eis a questão. Não era um e nem era o outro. Mas o que seria, então?

Meses se passaram e eu na mesma. Anos renasciam e as estações se reproduziam e a cena era a mesma. Eu morria de medo ao me deitar e as minhas costas tinham que se aproximar da parede ou de outro travesseiro, caso contrário, vinha a sensação de gente a me espiar e me arrepiar. E a vontade de fazer xixi? Me contorcia sentindo uma chuvinha molhar o paninho do pijaminha, mas nada de me levantar. Ou quando acontecia de eu sair correndo. Acendia todas as luzes da casa até chegar ao mictório, simplório e cheio de etezinhos verdes grudados nos azulejos com olhos gordos querendo me colar. Que medo!

E ao retornar de costas, ia apagando bem devagarinho: Primeiro a luz da varanda da frente, depois lentamente, a luz da cozinha, logo após a luz do enorme corredor, em seguida a luz do quarto dos meus pais e ... a própria luz do meu quarto que num repente me deitava e cobria toda a cabeça. Olhava por baixo das cobertas e via a janela fazer aquele barulho de dar nos nervos. As vidraças pareciam gargalhar de mim. O uivo lá fora era muito forte e no quintal ainda escutava sons de arranhões em plena porta - achava que era Lobisomem! E era mesmo.

Bem mais tarde, mocinha feita, continuava com a mesma sensação. Mas as janelas já acortinadas encobria toda a imagem que resplandecia obcecada. Os galhos da velha árvore já tinham sido podados, mas a mania de me recostar continuava. Vai que algum fantasma quisesse me importunar ou piorar aquele pavor de torpor que os músculos nem se mexiam e se retesavam. Por fim, nunca entendi tal situação que a minha emoção resguardava tudo só para mim. E incuti feito ostra numa concha fechada, mas nisso tudo ainda senti que numa noite enluarada acordei com o meu pai perto de mim.

Tinha me levantado dormindo... abri a porta dos fundos... fui até o quintal e conversei baixinho com alguém que ninguém sabe e muito menos viu. E por acaso alguém ouviu?

Kathmandu
Enviado por Kathmandu em 26/01/2015
Reeditado em 26/01/2015
Código do texto: T5115166
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