Espermacete
Transposta a celebração dos mistérios gozosos, dolorosos, ou gloriosos, que cadenciavam a reza do terço - sempre puxada por papai - vinham a ladainha e a salve-rainha, que não eram de frequência semelhante, mas alongavam as nossas esperanças de bênçãos derramantes, sobre a santa igreja, o nosso bispado, a nossaparóquia, as almas dos falecidos, dos quais pelo menos na casa de Vovó as tias faziam questão de acrescentar e exaltar a de Getúlio, e sobre nós ali, vivos e tementes.
Era solene, e sonolento por vezes pra criançada, e volta e meia alguma distração - não sancionada - pintava em meio à compunção geral. E era com ela, a vela. Bastava olhar pra mão de mana Bebel para sentir -lhe à pele o sacrifício, a que logo queríamos também, subrepticiamente, nos imolar.
Bebel vertia a vela, e plá, sua secreção derretida respingava. Quando atingia a palma da mão era aquela dor instantânea, abafada, mas quão vitorioso era exibir aquela bolha de espermacete que logo se solidificava.
E tava ali a nossa quota de sacrifácil para remir nossas ofensas e as daqueles que nos tivessem ofendido. No mais obsequioso silêncio. Ninguém chorava ou ria. Senão a chinela de papai corria - pra temperar nossagonia.